segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

INTERPRETAÇÃO LABORATORIAL DO HEMOGRAMA

Prof. Dr. Paulo Cesar Naoum
Biomédico, Professor Titular pela UNESP
Diretor da Academia de Ciência e Tecnologia e do CDA Laboratório de São José do Rio Preto


Introdução
O hemograma é o nome dado ao conjunto de avaliações das células do sangue que, reunido aos dados clínicos, permite conclusões diagnósticas e prognósticas de grande número de patologias. A introdução do hemograma na prática médica ocorreu em 1925 por meio de critérios estabelecidos pelo médico e farmacêutico alemão V.Schilling.
Entre todos os exames laboratoriais atualmente solicitados por médicos de todas as especialidades, o hemograma é o mais requerido. Por essa razão reveste-se de grande importância no conjunto de dados que devem ser considerados para o diagnóstico médico, não se admitindo erros ou conclusões duvidosas.


Análises que compõem o hemograma
O hemograma é composto por três determinações básicas que incluem as avaliações dos eritrócitos (ou série vermelha), dos leucócitos (ou série branca) e das plaquetas (ou série plaquetária).
A análise da série vermelha é constituída pelas seguintes determinações básicas:
1 – Contagem de eritrócitos (CE): 106/mm³
2 – Dosagem da hemoglobina (Hb):g/dL
3 – Hematócrito (Ht): %
4 – Volume Corpuscular Médio (VCM): Mm³ ou fm³
5 – Hemoglobina Corpuscular Média (HCM): pg
6 – Concentração da Hemoglobina Corpuscular Média (CHCM): g/dL

Recentemente com a automatização das avaliações das células do sangue, aliada a programas de informática, obtém-se dados sobre diâmetro ou superfície celular, histograma e gráficos de distribuição de células. Especificamente para a série vermelha a automatização fornece o índice RDW que avalia a amplitude da superfície dos eritrócitos.
A série branca, por sua vez, é analisada por meio dos seguintes índices:
1 – Contagem total de leucócitos (CTL): 10³/mm³


2 – Contagem diferencial de Leucócitos (CDL)
Neutrófilos (Bastonetes e Segmentados): % e 10³/mm³
Eosinófilos: % e 10³/mm³
Basófilos: % e 10³/mm³
Linfócitos: % e 10³/mm³
Monócitos: % e 10³/mm³

A contagem diferencial de cada leucócito é emitida em % (ou valor relativo) e em 10³/mm³ (ou valor absoluto). O valor absoluto tem melhor expressão diagnóstica em relação ao valor relativo.


As plaquetas são analisadas quantitativamente (CP: 10³/mm³) e com uso de contadores automatizados é possível obter o índice PDW (%) que fornece o resultado da amplitude da superfície das plaquetas quantificadas, bem como o MPV (fm³) que indica o volume médio plaquetário.


Todas as avaliações apresentadas até aqui são resultados quantitativos das três séries: vermelha, branca e plaquetária. Entretanto o hemograma deve abranger as análises qualitativas dos eritrócitos, leucócitos e plaquetas que consideram o tamanho e a forma celular, a coloração e as inclusões citoplasmáticas e nucleares, a presença de vacúolos, as atipias celulares, etc. Essas observações são fundamentais para auxiliar o diagnóstico clínico, p.ex.: eritrócitos falcizados nos esfregaço sanguíneo indicam relação com doença falciforme; expressivo número de linfócitos atípicos pode estar relacionado a viroses; plaquetas gigantes geralmente estão associadas a determinadas síndromes, etc.


Análises não automatizadas (manual) e automatizadas
O hemograma pode ser realizado utilizando equipamentos não automatizados, erroneamente denominados “metodologia manual” e, também, por meio de equipamentos automatizados com ampla variação tecnológica eletrônica associada à informática. Várias publicações científicas comparando as metodologias não automatizada e automatizada demonstram que os resultados obtidos não apresentam diferenças estatisticamente significantes. Entretanto a tendência natural é a substituição gradual pelos equipamentos automatizados.


Na análise não automatizada são usados três equipamentos: microscópio, centrífuga ou microcentrífuga e espectrofotômetro ou fotocolorímetro. Através do microscópio são feitas as contagens de eritrócitos, leucócitos (total e diferencial) e de plaquetas, usando câmara de Neubauer e lâmina corada. A centrífuga ou microcentrífuga fornece o valor do hematócrito, enquanto que o espectrofotômetro ou fotocolorímetro permite a leitura da hemoglobina. É fundamental que todos esses equipamentos sejam de boa qualidade e sensibilidade tecnológica.


A análise automatizada tem facilitado o desempenho da rotina laboratorial, especialmente quando há mais de vinte hemogramas/dia. Os equipamentos disponíveis permitem análises de 30 hemogramas/hora até 120 hemogramas/hora. Os aparelhos mais simples têm por base o princípio da impedância, ou seja, a formação de corrente elétrica entre dois eletrodos; quando uma célula atravessa a corrente elétrica é gerado um impulso elétrico que é quantificado, conforme o diâmetro que se dá especificamente para eritrócitos, leucócitos ou plaquetas.


Os equipamentos automatizados avançados utilizam diferentes canais com impedâncias específicas, permitindo contagens de eritrócitos, leucócitos e plaquetas ao mesmo tempo. Além disso podem ter agregados a essa função básica os seguintes recursos: citometria de fluxo, citoquímica e citologia diferencial com capacidade de distinguir células imaturas (reticulócitos e blastos).


De qualquer forma, a opção por um ou outro tipo de análise automatizada e não automatizada está relacionada ao número de exames de cada laboratório. A qualidade dos resultados depende da boa execução técnica, interpretação dos valores, manutenção dos equipamentos e constante padronização.


Recepção, coleta e encaminhamento da amostra de sangue
Para realizar com competência técnica o hemograma é preciso seguir uma linha de conduta devidamente padronizada que se inicia com a recepção do paciente. Essa fase inclui a própria receptividade, oferecendo ao cliente um ambiente adequado com tratamento profissional. A identificação do paciente deve conter os seguintes dados: nome completo, sexo, idade ou data de nascimento, endereço completo, telefone, nome do médico que solicitou o hemograma e o número do registro do paciente no seu laboratório. A coleta deve ser precedida por algumas observações do coletador: a) estado físico do paciente: normal, ofegante, febril, excitado, desidratado, etc.; b) perguntar se está usando medicamentos. As informações pertinentes devem ser anotadas no prontuário do paciente. A obtenção da amostra de sangue deve ser realizada com o paciente descansado, bem acomodado (deitado ou sentado), com o garrote suficientemente ajustado evitando seu uso prolongado. Obedecer criteriosamente a relação entre o volume de sangue coletado e a concentração de anticoagulante para evitar a hemodiluição ou a hemoconcentração. O anticoagulante recomendado é o EDTA com sal potássio (EDTA-K2) na concentração final de 1,5 a 2,2mg/ml de sangue.


Após a coleta, o tubo contendo o sangue, deve ser homogeneizado lentamente por inversão no mínimo por cinco vezes e, a seguir, retirar pequena alíquota para fazer o esfregaço sanguíneo. O tubo com o sangue, esfregaço e prontuário devem ser encaminhados juntos para a análise no período máximo de 4 horas (muitos neutrófilos têm vida média de 4 horas). Após as análises o profissional de laboratório tem o dever de conferir os resultados, inter-relacionando-os e confrontando-os com idade, sexo, uso de medicamentos e com o estado físico do paciente (quando alterado) anotado no prontuário.


A análise do esfregaço
O esfregaço sanguíneo bem feito é composto por três partes: espessa, medial e fina. A coloração é efetuada com corantes que tem em sua composição o azul de metileno, a eosina e o metanol. Há vários tipos de métodos: Leishman, Giemsa, May-Grunwald, Wright, panótico, etc. Alguns desses métodos necessitam de tampão com pH 7.0 e de baixa molaridade (água tamponada). A melhor análise se consegue na porção média do esfregaço, enquanto que na porção fina os eritrócitos e leucócitos aparecem geralmente com deformações artefatuais. Ao percorrer o esfregaço é necessário obedecer um padrão de deslizamento transversal e longitudinal, contemplando o corpo do esfregaço. As morfologias de eritrócitos, leucócitos e plaquetas devem ser mentalizadas na seguinte seqüência de considerações: a) tamanho; b) forma; c) coloração celular; d) inclusões, conforme mostra a tabela 1.


Tabela 1: Resumo das principais características de alterações das três séries celulares do sangue.
Eritrócitos Leucócitos Plaquetas
Tamanho Micro/Macro/Megalócitos ---------- Macro/Gigantes
Forma Poiquilócitos (vários tipos) Atipias, Pelger Agranular
Coloração celular Hipo/Hipercromia, Policromasia Basofilias Cinzenta
Inclusões Pontilhados, Howell-Jolly, Plasmódios, etc Tóxicas, Dohle, etc

As observações dessas alterações devem ser descritas com critério, ou seja, é comum observar um ou dois linfócitos atípicos em quase todas as pessoas. Da mesma forma é possível visualizar alguns eritrócitos hipocrômicos com o eritrograma normal. Esses exemplos mostram alterações de pouca relevância e não devem ser descritos. Somente se descreve quando essas observações são constantes em vários campos microscópicos, por exemplo: atualmente se destaca a presença de linfócitos atípicos quando seu número é superior a 5% dos leucócitos contados. De forma geral aconselha-se o uso das seguintes palavras: leve ou discreta, moderada e acentuada (ex.: acentuadas anisocitose, poiquilocitose e hipocromia eritrocitária). Evitar o uso de cruzes (+) pois o significado pode estigmatizar sua relação com a gravidade da doença, preocupando o paciente inadequadamente.


Terminologia hematológica
A terminologia deve ser padronizada, obedecendo a critérios internacionais. Sua importância é simples de ser explicada por meio do entendimento do seu significado por qualquer profissional de saúde, de qualquer cidade, estado, região ou país. Assim convencionou-se por usar prefixos e sufixos do grego e do latim, conforme mostra a tabela 2.


Tabela 2: Prefixos e Sufixos comuns do Grego e Latim usados no vocabulário hematológico.
Prefixos Significados
a - / na - falta, sem, ausente, diminuído
aniso - desigual
cito - célula
dis - anormal, ruim
eritro - vermelho
hemo - / hemato - pertinente a sangue
hipo - abaixo, deficiente
hiper - acima, aumentado
iso - igual
leuco - branco
macro - grande
mega - muito grande, gigante
meta - mudança
micro - pequeno
mielo - da medula
pan - todos, global
poiquilo - variado, irregular
poli - muitos
esquiso - partido, desintegrado
trombo - coágulo
- cito célula
- emia sangue
- fílico atraído, afinidade para
- ite inflamação
- lise destruição
- oma tumor, inchaço
- opatia doença
- ose aumento anormal, doença
- penia deficiência
- poiese formação com desenvolvimento
- poietina produção estimulada

Análise da série vermelha
A análise da série vermelha contempla a quantificação de eritrócitos, hematócrito, dosagem de hemoglobina e índices hematimétricos (VCM, HCM, CHCM, RDW), bem como o exame microscópico da morfologia eritrocitária. Esses dois conjuntos de análises fornecem subsídios para o diagnóstico das principais causas de anemias. Para a exposição desse assunto e para facilitar o entendimento dos leitores, podemos considerar inicialmente a quantificação dos eritrócitos – que dará subsídios para a “classificação laboratorial das anemias” e, a seguir, a análise morfológica dos eritrócitos que auxilia na “classificação das causas e dos tipos de anemias”. Define-se por anemia quando o eritrograma apresenta a concentração da dosagem de hemoglobina menor que o valor padrão para a idade, ou para homens e mulheres adultos (tabela 3).


A análise quantitativa dos eritrócitos e que permite a classificação laboratorial das anemias se suporta nos valores dos índices hematimétricos de VCM e HCM, conforme mostra a tabela 3.


Tabela 3: Valores mínimos e máximos dos valores eritrocitários, conforme a faixa etária e sexos masculino e feminino em adultos obtidos na região de São José do Rio Preto, SP.
Eritrograma RN* 1 a 11 meses 1 a 2 anos 3 a 10 anos 10 a 15 anos Adulto masc** Adulto fem**
Eritrócitos 5.2 4.0 – 4.9 4.0 – 5.1 4.0 – 5.1 4.0 – 5.1 4.5 – 6.1 4.0 – 5.4
Hemoglobina 17.0 10.3 – 12.7 10.6 – 13.0 11.5 – 14.5 11.5 – 14.5 12.8 – 14.5 11.3 – 16.3
Hematócrito 52.0 33 – 41 33 – 41 34 – 42 34 – 42 40 – 54 36 – 48
HCM 27 – 31 25 – 29 25 – 29 26 – 29 26 – 29 27 – 29 27 – 29
VCM 80 –100 75 – 90 75 – 90 77 – 90 77 – 90 77 – 92 77 – 92
CHCM 30 – 35 30 – 35 30 – 35 30 – 35 30 – 35 30 – 35 30 – 35
RDW 10 – 15 10 – 15 10 – 15 10 – 15 10 – 15 10 – 15 10 – 15
* Valores médios em RN até 15 dias de vida.
** O termo adulto nesse caso é considerado quando os níveis hormonais estão bem estabelecidos e a massa corporal bem definida, geralmente acima dos 15 anos.


Quando um paciente com anemia (Hb abaixo do valor padrão) se apresenta com o VCM e HCM diminuídos, denomina-se anemia microcítica e hipocrômica; se o VCM e HCM estiverem dentro dos valores da faixa de normalidade, a anemia é normocítica e normocrômica; e se o VCM estiver elevado (não há HCM elevado!) a anemia é do tipo macrocítica.


Para exemplificar essas três situações, consideremos os exemplos hipotéticos de 3 diferentes mulheres adultas, comparando seus resultados com os da tabela 3.




Caso 1 Caso 2 Caso 3
Eritrócitos (x106) 3,8 3,3 2,8
Hemoglobina (g/dL) 8,5 9,0 8,3
Hematócrito (%) 27 30 27
HCM (pg) 22 27 28
VCM (fL) 71 90 96
CHCM (g/dL) 31 30 30
RDW (%) 16 17 16

O caso 1 é típico de anemia microcítica (VCM diminuído) e hipocrômica (HCM diminuído); o caso 2 é característico de anemia normocítica (VCM normal) e normocrômica (HCM normal); o caso 3 é indicativo de anemia macrocítica (VCM aumentado).


Se formos analisar a morfologia eritrocitária desses três casos é muito possível que no caso 1 sejam visualizados eritrócitos microcíticos e hipocrômicos; no caso 2 podem ser observados eritrócitos microcíticos, macrocíticos e normocrômicos (que na média dos valores resultem em VCM normal) e anisocromia com eritrócitos normocrômicos e hipocrômicos (que na média dos valores resultem em HCM normal), no caso 3 a anemia é do tipo macrocítica e normocrômica com predomínio de macrócitos normocrômicos.


O índice CHCM nem sempre está diminuído nas anemias, entretanto observa-se sua diminuição em casos graves de hipocromia (ex.: talassemia beta maior, anemia ferropriva grave). Por outro lado, a elevação do CHCM quase sempre está relacionada com elevado número de eritrócitos esferócitos (ex.: esferocitose hereditária). O índice RDW tem importância quando está aumentado acima do padrão e é indicativo de anisocitose.


A avaliação qualitativa dos eritrócitos complementa o eritrograma e sua análise obedece a uma seqüência analítica: tamanho (anisocitose), forma (poiquilocitose), coloração (hipocromia e hipercromia) e inclusões.


Apresento a seguir a sinopse das principais, mas não todas, alterações morfológicas dos eritrócitos, relacionando-as com as principais causas de anemias (tabela 4).


Tabela 4: Alterações morfológicas de eritrócitos relacionadas às principais causas de anemias.
Termo geral Termo específico Principais ocorrências
Anisocitose
(Tamanho) Micrócitos
Macrócitos Ferropenia, Talassemias
Def. B12 e Folatos
Poiquilocitose
(Forma) Células em alvo
Leptócitos
Dacriócitos
Esquisócitos
Esferócitos
Eliptócitos
Falciforme
Estomatócitos
Equinócitos
Acantócitos Ferropenia, talassemias
Ferropenia
Talassemias
Talassemias
Esferocitoses, anemias hemolíticas
Eliptocitose
Doença falciforme
Estomatocitose, Hepatopatias
Hepatopatias, artefato (*)
Hepatopatias, artefato (*)
Coloração Hipocrômica
Hipercromia Ferropenia, Talassemias
Esferócitos
Inclusões Pontilhados basófilos
Howell-Jolly
Anel de Cabot
Parasitas Talassemias, Intoxicação Pb (**)
Anemias hemolíticas
Anemia grave
Malária
(*) Tampão com pH ácido; sangue coletado > 24 horas
(**) Pb: chumbo


Análise da série branca
Essa análise é também conhecida por leucograma e avalia as contagens total e diferencial (valores relativo e absoluto) dos leucócitos, bem como a morfologia dos neutrófilos, linfócitos e monócitos, principalmente.


A avaliação quantitativa, que incluem as contagens total e diferencial é baseada em valores padrões estabelecidos por faixas etárias conforme mostra a tabela 5.


Tabela 5 – Valores mínimos e máximos das contagens absoluta e diferencial de leucócitos obtidos na região de São José do Rio Preto, SP.

Leucócitos 1 a 3 anos 4 a 14 anos acima de 14 anos
% absoluta** % absoluta** % absoluta**
Leucócitos
Totais 5000 – 15000 4500 – 11000 4000 – 11000
N. Bastonete * 2 – 8 100 – 600 2 – 4 100 – 400 2 – 4 100 – 400
N. Segmentado * 20 – 40 2000 – 6000 35 – 55 2000 – 6000 36– 66 2000 – 7500
Eosinófilo 4 – 10 200 – 1500 4 – 8 300 – 1000 2 – 4 100 – 400
Basófilo 0 – 1 0.0 – 100 0 – 1 0.0 – 100 0 – 1 0.0 – 100
Linfócito 40 – 60 2000 – 8000 30 – 55 1500 – 6500 25– 45 1500 – 4000
Monócito 4 – 10 200 – 1500 4 – 10 200 – 1000 2 – 10 200 – 800
* N: Neutrófilo
**: x 109/L ou x 1000/mm3

A primeira análise do leucograma se suporta na verificação da contagem total dos leucócitos: quando os mesmos estão acima do valor padrão para a idade denomina-se por leucocitose, e quando abaixo por leucopenia. Especialmente a leucocitose deve ser adjetivada em discreta (ou leve), moderada e acentuada, de acordo com os valores do leucograma. Exemplo: criança com 7 anos de idade (ver tabela 5) com leucócitos entre 11 e 15 x 10³/mm³ é qualificada de leucocitose discreta ou leve; entre 15 e 20 x 10³/mm³ por leucocitose moderada; acima de 20 x 103/mm3 por leucocitose acentuada. As leucocitoses ocorrem basicamente em três situações: leucocitose fisiológica – geralmente de grau leve é comum em gestantes, RN, lactantes, após exercícios físicos e em pessoas com febre; leucocitose reativa – estão notadamente relacionadas com o aumento de neutrófilos e se devem às infecções bacterianas, inflamações, necrose tecidual e doenças metabólicas; leucocitose patológica – estão relacionadas a doenças mieloproliferativas (leucemias mielóides, policitemia vera, mieloesclerose) e linfoproliferativas (leucemias linfóides e alguns linfomas). Na vigência de leucocitoses é fundamental a cuidadosa análise da morfologia leucocitária, distinguindo para os neutrófilos as seguintes verificações: presença de neutrófilos jovens (bastões, metamielócitos, mielócitos e promielócitos), granulações tóxicas, vacúolos citoplasmáticos e inclusões anormais (ex.: Chediack-Higashi, May-Hegglin, Alder, etc.). Nas leucocitoses patológicas, especialmente aquelas que derivam de leucemias agudas, é comum observar leucócitos jovens e com nucléolos – os blastos. Em leucemias mielóides agudas a presença de blastos (ou mieloblastos) é muito freqüente, da mesma forma que os blastos (ou linfoblastos) nas leucemias linfóides agudas. Há necessidade de se ter muita segurança para liberar no laudo a presença de células blásticas. Para evitar constrangimentos desnecessários, sugere-se que na vigência de leucocitoses e presença de células blásticas ou jovens se deva fazer um contato com o médico do paciente antes da liberação do laudo.


As infecções virais, por sua vez, induzem a linfocitose relativa, com ou sem leucocitose e, às vezes, até leucopenias. Nesses casos a presença de linfócitos atípicos que se caracterizam pelas morfologias alteradas nas formas do núcleo e da célula, na relação núcleo/citoplasmática e intensa basofilia do citoplasma, constantemente ultrapassa a 5% dos linfócitos contados. Muitas vezes as infecções virais sensibilizam as células apresentadoras de antígenos as quais são caracterizadas pela monocitose e linfocitose conjuntamente, como ocorrem na mononucleose infecciosa.


A leucopenia muitas vezes se deve à diminuição dos neutrófilos e pode ser de causas fisiológica ou induzida por drogas e poluentes, reativa e processos imunológicos (tabela 6).


Tabela 6: Algumas causas de leucopenia por neutropenia.
Tipos Causa
Fisiológica Comum em africanos e descendentes, ou familiar.

Drogas Anti-inflamatórios (ex.: butazonas) Anti-bacterianos(ex.: cloranfenicol) Anti-convulsivantes, anti-depressivos

Poluentes Derivados do benzeno, fertilizantes, agro-tóxicos

Reativa Infecções bacterianas p/ gram negativos, tifo, brucelose, tuberculose miliar

Imunológica Neutropenia auto-imune, neutropenia neonatal aloimune

Muitas vezes o leucograma apresenta situações de eosinofilia. No Brasil, as eosinofilias são causadas por infestações parasitárias (ascaris, estrongilóides e schistosomas, principalmente). Há também as eosinofilias familiares (benignas) e as síndromes hipereosinofílica – essas necessitam de cuidados médicos adequados. Outras causas de eosinofilias são: alergia, câncer com metástases, doença de Hodgkin, leucemia mielóide crônica, eczema, psoríase, pênfigo e dermatite.


Por todas essas razões e muitas outras que não foram elencadas nessa apresentação, a análise do leucograma deve ser criteriosamente elaborada. Para finalizar, a tabela 7 apresenta as principais alterações morfológicas dos leucócitos.





Tabela 7: Principais alterações morfológicas em leucócitos.
Célula Núcleo Citoplasma Associado a:
Neutrófilos Pelger-Huet ___ Herança autossômica recessiva.
Doenças mieloproliferativas.

Neutrófilos ____ Vacúolos Intoxicação por benzeno.
Infecções bacterianas.

Neutrófilos Hipersegmentação ___ Deficiência de Vitamina B12 e folatos


Neutrófilos ___ Granulação tóxica Infecções bacterianas.
Inflamação, gestação.

Linfócitos Atipias Atipias Infecções virais.




Análise das plaquetas

As plaquetas são também produzidas na medula óssea e derivam da fragmentação do citoplasma dos megacariócitos. Tem forma discóide, são anucleares e estão presentes no sangue em quantidades variáveis entre 140 e 450 x 103/mm3. Seu tempo de vida média é variável entre nove e doze dias. A atuação fisiológica das plaquetas é fundamental no processo inicial da hemostasia, promovendo a agregação dessas células e a adesividade delas com as células endoteliais próximas às lesões. Durante essas atividades hemostáticas, as plaquetas funcionam como tampões e promovem o desencadeamento da coagulação sanguínea. Por essas razões a contagem total de plaquetas e a análise da sua morfologia são muito importantes. Situações que causam plaquetopenias (tabela 8) induzem ao sangramento. Por outro lado, pessoas com número de plaquetas dentro dos valores padrões mas com ausência de grânulos (ex.: plaquetas cinzentas) tem sangramentos devido à dificuldade da agregação plaquetária.


Tabela 8: Principais causas de plaquetopenia.

Causas Situações

Produção insuficiente Infiltração leucêmica na medula óssea.
Aplasia de medula, medicamentos, Infecções virais

Destruição aumentada Imunológica por auto e alo-anticorpos.
Púrpura trombocitopênica auto-imune.
Esplenomegalia.

Consumo exagerado Coagulação intravascular disseminada.
Púrpura trombocitopênica trombótica.

Por outro lado o aumento do número de plaquetas acima de 450 x 103/mm3 é denominado de plaquetose. Plaquetoses até 700 x 103/mm3 podem ocorrer notadamente na anemia ferropriva, hemorragias agudas, inflamações e infecções crônicas, anemias hemolíticas, leucemias e policitemia vera. Entretanto há situações em que a contagem de plaquetas é superior a 700 x 103/mm3 podendo chegar até 3.000 x 103/mm3, como é o caso da trombocitemia essencial – doença mieloproliferativa que desencadeia a formação descontrolada das células precursoras das plaquetas, os megacariócitos.


Interferências técnicas podem influenciar na contagem de plaquetas, por exemplo: o excesso de anticoagulante EDTA-K2 induz a formação de agrupamentos de plaquetas causando pseudo-plaquetopenia na contagem automatizada; a correção se faz contando as plaquetas no esfregaço sanguíneo. Em pacientes com leucemias cujos leucócitos se fragmentam, bem como na microesferocitose – com os eritrócitos muito pequenos, podem induzir a pseudo-plaquetose. Outra vez a análise do esfregaço sanguíneo passa a ser fundamental na contagem e correção do número de plaquetas.


Considerações finais
Em laboratórios de atendimento público (não hospitalizado) as alterações do hemograma são bem menores quando comparadas com laboratórios que atendem pacientes hospitalizados. A diferença é que nos laboratórios de atendimento público o profissional do laboratório não tem contato direto com os médicos dos pacientes, enquanto que nos laboratórios de hospitais esse contato é quase permanente. Dessa forma, em situações de anemias graves, leucocitoses ou leucopenias acentuadas, de plaquetoses e plaquetopenias intensas, bem como presença de células sanguíneas jovens (blastos), devem ser comunicadas com os médicos dos pacientes. Essa comunicação preferencialmente deve ser feita pessoalmente (telefone) pelo responsável do laboratório, na expectativa de confirmar os resultados com a suspeita clínica do paciente.


Por fim, há necessidade que o profissional de laboratório tenha à sua disposição bons atlas citológicos de hematologia, com as principais alterações celulares das três séries, e que a consulta às informações científicas e tecnológicas sejam constantes.




Referências bibliográficas
Bain B.J. – Células sanguíneas. 2ª edição, Artes Médicas, Porto Alegre, 1997.
Hoffbrand AV, Petit JE – Hematologia clínica ilustrada. Editora Manole Ltda, São Paulo, 1988.
Hoffbrand AV, Petit JE, Moss PAH – Essential haematology. 4th edition, Blackwell Science, Oxford, 2002.
Lorenzi TF et al – Manual de Hematologia. Propedêutica e clínica. 3ª edição, Editora Médica Científica, São Paulo, 2003.
McDonald GA, Paul J, Cruickshank B – Atlas de hematologia. Ed. Médica Panamericana, Madrid, 1995.
Naoum PC, Naoum FA – Hematologia Laboratorial. Eritrócitos. Editora Academia de Ciência e Tecnologia, S.J. Rio Preto, 2005.
Naoum FA, Naoum PC – Hematologia Laboratorial. Leucócitos. Editora Academia de Ciência e Tecnologia, S.J. Rio Preto, 2006.
Stiene-Martin EA, Steininger CAL, Koepke JA – Clinical hematology. 2nd edition. Ed. Lippincott, Philadelphia, 1998.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

EXAME PARASITOLÓGICO DE FEZES - NOVO



METODOLOGIA DE EXAME PARASITOLÓGICO DE FEZES QUE TORNA A VISUALIZAÇÃO MAIS LIMPA QUANDO COMPARADA AO HOFFMAN E MAIS INTENSA EM QUANTIDADE DE PARASITOS QUANDO COMPARADA AO FAUST.

Em projeto desenvolvido pala FACULDADE DE QUATRO MARCOS e dirigida pelo Professor Carlos Alberto Alves de Lima em parceria com a PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DOS QUATRO MARCOS - MT conseguimos desenvolver uma metodologia que não posso dizer ser uma metodologia "nova", simplesmente fizemos uma adaptação entre os dois métodos mais utilizados no EPF (Exame Parasitológico de Fezes) que são os métodos de FAUST E HOFFMMAN.
São José dos Quatro dos Quatro Marcos - MT é uma cidade de aproximadamente 20.000 habitantes no interior do Estado de Mato Grosso e que possui uma quantidade de rede de esgoto insatisfatória (mínima), sendo que os dejetos são depositados em "fossas" que são construidas na frente das residências (calçadas públicas) e estas, são utilizadas até que o morador perceba que estão completamente cheias (não é incomum estas fossas jogarem seus dejetos ao ar livre) e assim contratam um serviço denominado "limpa fossa" que nada mais é, do que um caminhão que através de uma tubulação irá aspirar todo o conteúdo desta fossa e dispensá-lo sabe-se lá onde...

Foi necessário expor essa prática aos leitores, não como uma ação ou indignação política de minha parte, mas para que entendam o motivo de encontrar um índice de infestação parasitária, com apenas uma amostra de fezes, de cerca de 60% das crianças que frequentam os CENTROS DE EDUCAÇÃO INFANTIL.

Após realizarmos os exames parasitológicos de fezes e identificarmos os casos positivos, ministramos a medicação, orientados pela pediatra do município que muito gentilmente nos auxilia neste projeto, e após 30 dias do tratamento realizamos novamente o EPF, agora somente nas crianças que foram medicadas para concluirmos o que já esperávamos: nenhum medicamento ou tratamento será eficaz sem que antes possamos eliminar a causa da patologia em questão, ou seja, enquanto não conseguirmos resolver o problema da rede de esgoto não conseguiremos atingir medidas profiláticas que solucionem o problrema parasitológico, porém, jamais pensamos em desistir do projeto, que vem sendo realizado a quatro semestres.

A METODOLOGIA

A alteração feita na metodologia foi com o objetivo de conseguirmos uma visualização microscópica mais clara que facilitasse a identificação pelos alunos que muito efetivamente auxiliam neste projeto, aliás, são esses alunos o verdadeiro alvo deste projeto pois acreditamos que desta forma, ou seja, conseguindo retirar o aluno da sala de aula e colocando-os frente a realidade que enfrentarão quando formados, estarão verdadeiramente qualificados para o disputado mercado de trabalho que encontrarão lá fora.

A metodologia é bastante simples para aqueles que já conhecem os métodps de Faust e Hoffmman. Após realizada a diluição para o método de Hoffmman, deixamos o material sedimentar por no mínimo 6 horas e no máximo 24 horas. Recolhemos 2 ml do sedimento passando para um tubo cônico de centrifugação. Adicionamos neste tubo cônico com sedimento, uma quantidade de Sulfato de Zinco (utilizado na realização do método de Faust) até completar 10 ml. O tubo com sedimento e Sulfato de Zinco é centrifugado a 1500 rpm por 1 minuto. Após a centrifugação procederemos também como no método de Faust, ou seja, com uma alça de platina retiramos a película superior colocando em uma lâmina, adicionando uma gota de lugol e cobrindo com lamínula. Em seguida é só observar em microscópio óptico em aumentos de 10 e 40x.

A figura abaixo retrata um exame realizado neste método com uma quantidade não muito grande de Giardia lamblia.






























































quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

APOSTILA DE


PATOLOGIA


E


PROCESSOS DE AGREÇÃO



Prof. Carlos Alberto Alves de Lima

“INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA PATOLOGIA”

Etimologicamente, o termo Patologia significa estudo das doenças (do grego pathos = doença, sofrimento, e logos = estudo, doutrina). Uma definição que se mostra muito ampla e pode, no conceito, ser confundida com a medicina que aborda todos os elementos ou componentes das doenças e sua relação com os doentes. De modo prático a definição de patologia pode ser abordada como a ciência que estuda as causas das doenças, os mecanismos que as produzem, as alterações morfológicas e funcionais que apresentam. Esta definição automaticamente à separa da medicina que constitui o todo. Dentro desta definição de patologia a medicina engloba ainda o diagnóstico clínico, a prevenção e a terapêutica das doenças que não são objeto de estudo da patologia.

Ainda dentro deste pensamento temos que patologia é o ramo da ciência médica que estuda as alterações morfológicas e fisiológicas dos estados de saúde. Quando essas alterações não são compensadas podemos dizer que um indivíduo está doente. Etimologicamente, o termo "patologia" origina-se do grego ("pathos" = sofrimento, doença; "logia" = estudo).

Conceitualmente, podemos posicionar a doença como sendo uma alteração de forma e de função não compensada de uma célula, de um órgão, de um sistema, de um indivíduo, de uma população e, finalmente, de uma sociedade. Já um "estado de saúde" é definido pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como sendo "o bem-estar físico, mental e social do homem".

A ciência Patologia atualmente ramifica-se em diversas subáreas. Como disciplina, a patologia a ser enfatizada nesta apostila recebe o termo GERAL, ou seja, é denominada de PATOLOGIA GERAL OU AINDA PROCESSOS PATOLÓGICOS por restringir-se ao estudo dos mecanismos gerais envolvidos na determinação de um estado patológico, portanto, de doença, não se preocupando com as características peculiares de cada entidade em particular. O objetivo é transmitir a filosofia do processo patológico, descrevendo as características que definem o mecanismo de transição de um estado de saúde para um estado de doença.

Impossível falar em Patologia e Processos Patológicos, sem antes falarmos sobre a célula como uma estrutura global e capaz de formar os tecidos constituintes dos organismos vivos. Antes de entendermos as causas e as mais importantes doenças populacionais, temos que estudar (recordar) brevemente a célula viva.

De acordo com a teoria celular, a célula é formada por uma membrana, um citoplasma e um núcleo, que originam uma estrutura viva capaz de controlar seus níveis energéticos, mantendo-os em equilíbrio com o meio extracelular. As membranas são formadas pela combinação de moléculas básicas do tipo lipoproteínas e fosfolipídeos; a polimerização dos nucleotídios origina o núcleo, mais precisamente o DNA e o RNA, responsáveis pelo controle das reações moleculares internas à membrana ou nela realizadas. O DNA e o RNA formam o código genético e são as estruturas informacionais e controladoras da manutenção dos níveis energéticos internos, traduzida principalmente pela biossíntese de proteínas. O citoplasma, por fim, é composto predominantemente por proteínas imersas em um meio aquoso, originando uma espécie de "gel" no qual se processam inúmeras reações químicas e o transporte de moléculas. No citoplasma estão imersas as organelas, compartimentos delimitados por membranas mais simples, com funções específicas de respiração, síntese energética e transporte.

Cada célula tem a propriedade de adquirir características e funções peculiares. A união de células com características comuns é denominada de tecido. O tecido, pois, é composto predominantemente por células e pela substância intercelular. Formada pelas mesmas moléculas primárias que compõem a célula, a substância intercelular é responsável pela arquitetura básica na qual a célula se apóia. É na substância intercelular que se processam as comunicações célula-a-célula, aspecto biológico muito estudado atualmente na Patologia Moderna.


1. SAÚDE E DOENÇA
A definição de doença relaciona-se com o conceito biológico de adaptação. Adaptação é a capacidade dos seres vivos que se traduz pela capacidade de ser sensível às variações do meio ambiente e esta sensibilidade o leva a produzir respostas capazes de adaptar este ser às novas condições impostas. Com estes dados podemos definir saúde como:
Um estado de adaptação do organismo ao ambiente físico, psíquico ou social em que vive em que o indivíduo sente-se bem (saúde subjetiva) e não apresenta sinais ou alterações orgânicas evidentes (saúde objetiva).

Em posse desta definição de saúde, definimos doença como:
Um estado que demonstra uma falta de adaptação ao ambiente físico, psíquico ou social, no qual o indivíduo sente-se mal (sintomas) e/ou apresenta alterações orgânicas evidentes (sinais).

Outra forma de se conceituar saúde e doença consiste em entendermos dois termos, que através deles teremos em mãos os conceitos. Homeostasia consiste na manutenção do equilíbrio orgânico dos seres vivos. Qualquer desequilíbrio consiste em uma quebra da homeostasia. Podemos dividir a homeostasia em duas partes:

· Morfostase: Manutenção da forma.
· Homeostase: Manutenção da função.

Com estas definições em mãos podemos dizer que:

“Saúde é a manutenção da morfostase e homeostase".

Nos estados de saúde, as reações energéticas do organismo ocorrem respeitando padrões de tempo, de local e de intensidade que indicam estados de normalidade dessas reações. As reações que obedecem a esses padrões de normalidade são denominadas Reações Homólogas. As reações homólogas são assim chamadas por serem comuns a todos os indivíduos de uma determinada espécie, podendo-se determinar, com isso, suas formas e funções normais.
Já o termo "doença" pode ser compreendido como se segue:

"A doença é resultado da ação de uma agressão que leva a uma alteração não compensada da homeostase e ou da morfostase."

Viajando mais fundo nestes conceitos entramos agora no entendimento de reações heterólogas e reações homólogas.

O distanciamento dos padrões de normalidade e o estabelecimento do processo patológico são norteados por reações ditas Heterólogas (diferentes na origem e na estrutura), ou seja, que são resultados da alteração das reações homólogas e que modificam, assim, o estado normal do organismo. Compreendem, portanto, alterações no tempo, no local e na intensidade das respostas corpóreas a agressões, subdividindo-se, assim, em:

· Reações de heterocronia: o tempo de resposta do organismo é alterado. Um exemplo clássico de heterocronia seriam os casos de crianças com 5 anos que já apresentam pêlos na face.
· Heterotopia: quando há o aparecimento de um tecido em um local onde não é comumente encontrado. A presença de glândulas sebáceas (Grânulos de Fordyce) na mucosa bucal pode servir como exemplo de heterotopia.
· Heterometria: alteração na intensidade da resposta do organismo: Ex.: O aumento da quantidade de muco nas vias respiratórias, fato comum de estados gripais, é uma manifestação corpórea rotineira e que também constitui uma reação heteróloga.

Para se iniciar qualquer especulação sobre os processos patológicos e suas reações heterólogas é necessário, de início, discutir sobre a Etiopatogenia da doença, ou seja, sobre a relação da sua causa (etiologia) com a sequência de acontecimentos resultantes como respostas às agressões (patogenia). Dependendo do modo de como os tecidos processam suas transformações morfológicas e funcionais em busca de saúde, a patogenia, ou mais especificamente, o caráter das respostas corpóreas às agressões pode ser de três tipos:

· Submissão passiva: o tecido não dispensa energia (ATP) nas alterações morfológicas e funcionais consequentes à agressão, ou seja, participa passivamente. As Degenerações e Infiltrações pertencem a esse grupo.

· Submissão ativa: o tecido participa ativamente em sua resposta à agressão, isto é, há um gasto de energia (ATP) para alcançar a morfostase e a homeostase. Nesse grupo, insere-se a Inflamação.

· Submissão adaptativa: o tecido adapta-se à agressão, ora às custas do gasto de energia, ora passivamente. As Alterações de Crescimento e as Neoplasias encaixam-se nesse grupo.

Essa classificação dos processos patológicos usando como parâmetro seus níveis energéticos, e não somente suas transformações morfológicas, vai de encontro à nossa metodologia de divisão didática de Patologia Geral. Uma vez definidos esses conceitos básicos, portanto, segue-se a abordagem da primeira parte do programa que envolve os processos gerais das doenças, considerando-se, previamente, alguns aspectos sobre o que seriam as "Lesões celulares".

É importante ainda evidenciarmos que o conceito de saúde envolve o ambiente em que o indivíduo vive, tanto no seu aspecto físico, como também no psíquico e social. Se analisarmos alguns parâmetros orgânicos, observamos que indivíduos que vivem em diferentes altitudes possuem números de eritrócitos diferentes, o que lhes permite viver em condições favoráveis.
Todas as doenças produzem alterações morfológicas e/ou moleculares nos tecidos, que resultam em alterações funcionais no organismo ou em parte dele, produzindo manifestações subjetivas (sintomas) ou objetivas (sinais). A patologia engloba algumas áreas diferentes como:
Etiologia: estudo das causas das doenças.

Patogênese: estudo dos mecanismos que promovem as doenças.

Anatomia Patológica: estudo das alterações morfológicas dos tecidos que, em conjunto recebem o nome de lesões.

Fisiopatologia: estuda as alterações funcionais dos órgãos afetados pela doença.

Propedêutica ou semiologia: é o estudo dos sinais e sintomas das doenças, com a finalidade de realizar o diagnóstico desta doença, a partir do qual se estabelecem o prognóstico, a terapêutica e a prevenção.

De acordo com algumas divisões das doenças podemos ter classes específicas de patologias. A patologia pode ser estudada sob o aspecto geral ou sob aspecto especial. A patologia geral estuda os aspectos comuns às diferentes doenças no que se referem às suas causas, mecanismos patogenéticos, lesões estruturais e alterações da função.

Já a Patologia especial se ocupa das doenças de um determinado órgão ou sistema (Patologia do sistema respiratório, Patologia da cavidade bucal etc.) ou estuda as doenças de acordo com suas causas como, por exemplo, doenças produzidas por fungos, por radiações etc. dentro da Patologia especial temos as divisões dos ramos específicos como Patologia Veterinária, Patologia Médica e Patologia Odontológica.

Veja a divisão no diagrama:
causas
Mecanismos
Sinais e sintomas
Alterações Funcionais
lesões
etiologia
patogênese
Anatomia
Patológica
Fisiopatologia
Propedêutica
Diagnóstico
Prognóstico
Terapêutica
Prevenção
PATOLOGIA
MEDICINA



2. AGRESSÃO, DEFESA, ADAPTAÇÃO E LESÃO.

Algumas definições devem ser entendidas para que possamos entrar em um contato mais estrito com as patologias propriamente ditas.

Lesão: também chamada de processos patológicos, é o conjunto de alterações morfológicas, moleculares e/ou funcionais que surgem nos tecidos após algum tipo de agressão. Estas “alterações morfológicas” podem ser detectadas a olho nu ou com auxílio de um microscópio ou de algum exame diagnóstico (ultrassonografia).

Os fenômenos fisiopatológicos já mencionados anteriormente como sendo o estudo das alterações funcionais dos órgãos afetados por uma determinada patologia, manifestam-se por alterações da função de células, tecidos, órgãos ou sistemas.

As lesões constituem em processos dinâmicos ou evolutivos, que tendem para a cura ou para a cronicidade, e este é o motivo de também serem chamadas de processos patológicos, indicando a palavra “processo” como uma sucessão de eventos e não um evento isolado que não evolui. Isto caracteriza a lesão como sendo um processo de diferentes fases em sua evolução.
O alvo: todo agente agressor tem como objetivo atingir as moléculas, principalmente as macromoléculas que são responsáveis por funções vitais em nosso organismo. Portanto, toda lesão se inicia no nível molecular. Este “ataque” direto nas moléculas orgânicas resulta em alterações celulares em conseqüência de modificações:
· Na estrutura da membrana celular.
· No citoesqueleto e outros componentes intracelulares.
· Acúmulo de substâncias nos espaços intracelulares.

A ação dos agentes agressores de qualquer natureza se faz por 2 mecanismos distintos:
1. Ação direcionada diretamente às moléculas e como conseqüência temos alterações moleculares que se demonstram em modificações morfológicas;
2. Ação indireta quase sempre promovida pelo nosso próprio sistema imunológico, que ao ser acionado para destruir um agente agressor destroem também tecido intacto promovendo assim destruição de moléculas que irão resultar em alterações morfológicas.

Apesar da grande quantidade de agentes agressores que nos interpelam diariamente, a variedade das lesões observadas nas doenças não é muito grande. Isto se deve ao fato de os mecanismos de agressão às moléculas serem comuns aos diferentes agentes agressores; além disso, com freqüência as defesas do nosso organismo (imunidade) são inespecíficas, no sentido de que são as mesmas frente a diferentes agressores. Veja o exemplo:

Muitos agentes agressores agem de maneira a reduzir o fluxo sanguíneo no local da lesão, o que diminui o fornecimento de oxigênio (não podemos esquecer de que o sangue – hemoglobina – é o transportador de oxigênio) para as células, reduzindo assim a produção de energia (ATP); outros agentes agressores exigem uma quantidade maior de ATP sem induzir aumento proporcional do fornecimento de oxigênio. Em todos esses casos, a escassez de ATP interfere com a síntese de novas células, com o pH intracelular e com outras funções que resultam em acúmulo de água no espaço intracelular e com uma série de alterações que recebem, em conjunto, o nome de degeneração hidrópica.

São, portanto, diferentes os agentes agressores que produzem uma mesma lesão através da redução absoluta ou relativa da síntese de ATP.

Por outro lado, a ação do calor (queimadura), de um agente químico corrosivo ou uma bactéria que invade o organismo é seguida de respostas teciduais que se traduzem por modificações da microcirculação e pela saída de leucócitos do leito vascular para o interstício. O resultado destas situações é uma reação inflamatória inespecífica, que é uma modalidade comum e muito freqüente de resposta do organismo frente a agressões muito distintas. Nas inflamações os leucócitos são mobilizados por agentes agressores diferentes porque muitos deles são células fagocitárias, especializadas em matar microrganismos e em fagocitar tecidos lesados para facilitar os processos de reparação e regeneração.

Por essa razão é fácil compreender que, quando os leucócitos são estimulados por agressões diversas, eles possam também produzir lesão nos tecidos invadidos. Do relatado acima fica claro que a própria resposta defensiva (sistema imunológico) ou adaptativa, que o agente agressor estimula no organismo pode também contribuir para o aparecimento de lesões.

ADAPTAÇÃO

AGRESSÃO
DEFESA
LESÃO







Em todas as agressões, as lesões têm um componente que resulta da ação direta do agente agressor e um elemento decorrente da ação dos mecanismos de defesa acionados. Em muitas lesões, são os mecanismos de defesa, inatos ou adaptativos, os principais responsáveis pela lesão. É o que ocorre nas doenças de natureza imunitária e nas infecções, nas quais os mecanismos imunitários de defesa contra o agente infeccioso lesam também os tecidos.

Toda lesão gera estímulos que induzem, nos tecidos, respostas adaptativas que visam torná-los mais resistentes às agressões subseqüentes. Os estímulos gerados dessa resposta não são ainda bem esclarecidos, mas já se conhecem algumas respostas muito conservadas na natureza. Algumas proteínas, frente às mais variadas agressões, induzem várias respostas adaptativas, como o aumento da resistência à desnaturação de proteínas, aumento da estabilidade de membrana etc., aumentando assim a resistência das células às agressões.

3. CLASSIFICAÇÃO DAS LESÕES

A classificação e a nomenclatura das lesões são técnicas complicadas por não haver um consenso entre estudiosos.

Ao atingirem o organismo, as agressões ou os agentes agressores comprometem um tecido (ou um órgão), e neste tecido existem:

· Células parenquimatosas e do estroma;
· Componentes intercelulares e matriz extracelular (interstício)
· Circulação sanguínea e linfática
· Inervação

Após agressões um ou mais destes componentes podem ou não ser afetados, o que pode levar a:
1. Lesões celulares;
2. Danos ao interstício;
3. Transtornos locais da circulação;
4. Distúrbios locais da inervação;
5. Ou alterações complexas que envolvem mais de um dos componentes acima citados.

Após estas considerações podemos classificar as lesões que atingem os tecidos e seus componentes de acordo com estes 5 grupos:

1. Lesões celulares: podem ser consideradas em dois grupos: lesões celulares letais e não-letais. A letalidade/não-letalidade, esta frequentemente ligada à qualidade, à intensidade e à duração da agressão, bem como ao estado funcional ou tipo de célula atingida. As agressões podem modificar o metabolismo celular, induzindo ao acúmulo de substâncias intracelulares (degenerações), ou podem alterar os mecanismos que regulam o crescimento e a diferenciação celular. As lesões letais são representadas pela necrose e pela apoptose (Apoptose ou morte celular programada é um tipo de "auto-destruição celular " que ocorre de forma ordenada e demanda energia para a sua execução).

2. Lesões do interstício: constituem as modificações da substância fundamental amorfa.

3. Distúrbios da circulação: incluem: aumento, diminuição ou cessação do fluxo sanguíneo para os tecidos, coagulação do sangue no leito vascular (trombose), aparecimento na circulação de substâncias que não se misturam (diluem) no sangue e causam oclusão vascular (embolia), saída de sangue do leito vascular (hemorragia) e alterações das trocas de líquidos entre o plasma e o interstício (edema)

4. Alterações da inervação: Na realidade constituem um grupo de lesões oriundas de uma das lesões acima citadas.

5. Inflamação: é a lesão mais complexa que envolve todos os componentes teciduais. Caracteriza-se por modificações locais da microcirculação e pela saída de células do leito vascular, acompanhadas de lesões celulares e do interstício, provocadas principalmente pela ação das células fagocitárias e pelas lesões vasculares que acompanham o processo.

Outra maneira de se classificar as lesões pode ser de acordo com a possibilidade de serem Reversíveis com restituição da morfostase e, portanto, da normalidade, e Irreversíveis, cujo processo caminha para a morte celular. Ambos os termos constituem o grupo das Alterações Regressivas, ou seja, das lesões relacionadas com as alterações metabólicas celulares.
Como se trata de alterações metabólicas, os processos regressivos afetam, originalmente, os sistemas celulares vitais: respiração aeróbica, manutenção da integridade das membranas, síntese protéica e preservação do aparelho genético.
Inúmeras são as causas ou os agentes responsáveis pelas alterações regressivas, sendo divididos em grupos conforme a natureza do agente. Assim, têm-se os agentes químicos, para designar o grupo das substâncias químicas, endógenas ou exógenas, que causam injúrias às células (ex.: tetracloreto de carbono, álcool); os agentes físicos, que agrupam as causas de natureza mecânica, elétrica, radioativa, de mudanças na temperatura etc.; e os agentes biológicos, englobando todos os seres vivos capazes de alterar a morfofunção celular (ex.: vírus, bactérias, fungos). A desnutrição e as anomalias genéticas também são causas de lesões celulares, constituindo grupos especiais de agentes agressores, por vezes associados com os grupos anteriores.
Quando o agente agressor entra em contato com a célula, uma intrincada cascata de reações bioquímicas se inicia em cada sistema celular atingido o equilíbrio celular. A complexidade dessas reações é tal que é difícil precisar a relação da causa com o sistema celular lesado. Em muitos casos, mais de um desses sistemas é vulnerável à causa; em outras ocasiões, a própria célula atingida tem uma variação no seu grau de adaptação quanto à agressão; a própria duração e a intensidade desta, por sua vez, determinam diferentes reações nas células.
A hipóxia pode servir como ilustração das complicadas relações envolvidas nesses mecanismos de lesão, caracterizados, principalmente, por alteração metabólica na célula, por diminuir, invariavelmente, seus níveis energéticos, mantidos pelos sistemas vitais.
Significando carência de oxigenação, a hipoxia interfere diretamente na respiração aeróbica celular, levando, no início, a uma diminuição da fosforilação oxidativa e dos níveis de ATP. O pouco ATP disponível à célula induz a uma redução do seu metabolismo. Assim, os processos de síntese de proteínas estruturais e enzimáticas ficam comprometidos, o que leva a consequências nocivas à integridade das membranas e à preservação do aparelho genético.

A degeneração e a infiltração, são exemplos clássicos de alterações reversíveis, onde a morfostase e a homeostase podem ser reestabelecidas. Define-se degeneração como sendo um processo reversível após serem manifestadas alterações morfológicas (morfostase) e funcionais (homeostase) das células; já a infiltração também pode ser da mesma maneira definida, porém a localização é no interstício (espaço intercelular) e não diretamente na célula.


DEGENERAÇÕES

A nomenclatura e a classificação de certas lesões são motivos de muita discordância entre estudiosos. A palavra degeneração foi utilizada inicialmente por Virchow para indicar processos patológicos caracterizados por:
1. Modificações da morfologia das células com diminuição de suas funções;
2. Depósito de substâncias no interstício. Este conceito é aceito até os dias de hoje, porém, com a ressalva de delimitar o termo degeneração como sendo somente alterações morfológicas das células, não incluindo as alterações do interstício. Completando a definição, as degenerações são sempre processos reversíveis, ou seja, lesões compatíveis com volta da célula à normalidade, após eliminada sua causa.

Uma confusão bastante comum encontrada em meio a definições de degenerações são as infiltrações. O termo infiltração já foi utilizado como sinônimo de degeneração. Entretanto, infiltração deve ser reservada à situações em que células de um determinado tecido são encontradas na intimidade de outro tecido e degeneração, como já vimos, é o acúmulo de substâncias no interior das células.

“A DEGENERAÇÃO é um processo regressivo reversível, resultante de lesões não-letais, em que são manifestadas alterações morfológicas e funcionais da célula”.
“A INFILTRAÇÃO também é um processo regressivo reversível, cujas alterações morfológicas e funcionais estão localizadas no interstício”.
A característica básica desse grupo de lesões é o seu caráter de reversibilidade, ou seja, de recuperação da homeostase e da morfostase. Pertencem ao grupo das degenerações as alterações hídricas, lipídicas e protéicas, estas últimas também compondo o grupo das infiltrações, levando a alterações hialinas.
Para cada tipo de alteração regressiva reversível serão descritos os principais processos patológicos envolvidos, salientando principalmente a sua etiopatogenia.

ALTERAÇÕES HIDRICAS INTRACELULAR

Também conhecida como inchação turva ou edema celular, degeneração vacuolar ou alteração hidrópica. É caracterizada pelo acumulo de água e eletrólitos no interior da célula, tornando-a tumefeita, aumentada de volume. É a lesão não-letal mais comum frente aos mais variados tipos de agressão, independentemente da natureza (física, química ou biológica) do agente lesivo.
Levando em consideração que um dos primeiros mecanismos afetados por uma agressão reversível é sem dúvida o transporte de água e íons entre o meio intra e extracelular, fica fácil entender que a inchação é o primeiro dos sintomas apresentados frente a este tipo de agressão.
O distúrbio eletrolítico (íons), que envolve este tipo de agressão, esta diretamente relacionado com o distúrbio da bomba de Na/K, que atuam na membrana das células para manterem os níveis intra e extracelular em equilíbrio. Frente a um agressor o Na fica retido no interior da célula, o que provoca uma rápida entrada de água intracelularmente e o K fica retido extracelularmente. A ausência do K no meio intracelular causa uma diminuição na atividade das mitocôndrias uma vez que ele é essencial para o funcionamento mitocondrial (respiração celular), e como resultado disto temos uma queda nos níveis de ATP, devido ao comprometimento do sistema aeróbico celular o que contribui para o agravamento do edema celular.

Para pesquisar:

A BOMBA DE SÓDIO E POTÁSSIO E O EQUILÍBRIO HÍDRICO CELULAR

O edema celular pode persistir por um longo período de tempo e originar alterações envolvendo a degeneração vacuolar (alteração hidrópica) acumulando uma maior quantidade de água nas organelas, presença de grânulos citoplasmáticos e aumento do número de vacúolos citoplasmáticos.

ALTERAÇÕES LIPÍDICAS INTRACELULARES

Também conhecido como esteatose, as alterações lipídicas intracelulares se caracterizam pelo acúmulo de gordura neutra no citoplasma da célula agredida.
Conforme o conceito citado, a esteatose refere-se a um acúmulo intracelular lipídico. Esse acúmulo envolve alterações nos processos celulares de armazenagem de gorduras.
A armazenagem normal de gordura neutra nas células é feita por intermédio da ligação físico-química dessa substância com fosfolípides (lipídeos combinados com fósforo). Essa ligação promove a formação de uma estrutura cilíndrica na qual há o “mascaramento” da gordura neutra, ou seja, esta não fica visível microscopicamente. A estabilidade dessa estrutura depende, entre outros fatores, da manutenção da proporção entre fosfolipídios e gordura. A não-visualização de elementos gordurosos nas células durante o exame microscópico é, portanto, indicativo de homeostase e morfostase.
A esteatose se origina da alteração dessa proporção devido ao comprometimento da síntese de fosfolípideos. Há uma diminuição da produção de fosfolipídeos devido a quedas metabólicas das células, o que indica que houve uma agressão e perda da homeostase. Com a redução de fosfolípides, há uma mudança no arranjo físico-químico entre essa substância e a gordura neutra, que fica “desmascarada”, ou seja, torna-se microscopicamente visível e corável. O acúmulo de gordura neutra é, então, produto da mudança da relação fosfolipídios/gordura neutra intracelular.
As causas mais comuns de mudança metabólica na célula que originam a esteatose podem ser:
Tóxica: substância tóxica que provoque diminuição do metabolismo celular. Ex.: álcool, tetracloreto de carbono.
Anóxica: falta de oxigênio leva à queda de ATP, diminuindo, assim, a síntese de fosfolipídios pela redução metabólica.
Nutricional: carência nutricional induz uma diminuição na quantidade de moléculas fosfolipídicas, alterando a sua relação com a gordura neutra, tornando o componente lipídico visível na célula. Uma dieta rica em gorduras também pode originar a esteatose. A absorção direta desses lipídios pela célula provoca o acúmulo gorduroso no citoplasma. Nesse caso, entretanto, não existe redução metabólica celular, mas a absorção de gorduras pelas células encontra-se desequilibrada devido à concentração lipídica extracelular, o que estimula a absorção celular.
O fígado é um dos orgão mais afetados pela esteatose, além do coração e dos rins, por participar diretamente no mecanismo de metabolização das gorduras. Resumidamente, as gorduras são absorvidas pelo intestino, passam para o sangue e chegam ao fígado, orgão responsável pela oxidação dos ácidos graxos e pela mobilização de mais gordura dos depósitos adiposos quando esta é necessária. As células hepáticas são, pois, mais sensíveis a solventes de gorduras, como o tetracloreto de carbono, o clorofórmio e o álcool. Esses agentes podem atuar diretamente na estrutura da gordura ou agir sobre a mitocôndria da célula, comprometendo a sua função. A falta de oxigênio (anóxia) e de alimentos ricos em triglicerídeos ou o excesso destes (nutrição), por exemplo, podem, respectivamente, modificar o funcionamento da célula hepática e a mobilização de gorduras feita por ela.

Evolução e conseqüências
Apesar de a esteatose ser uma lesão reversível, nas agressões mais graves ela pode evoluir para a morte celular. Em etilistas crônicos, ela se reduz ou desaparece em poucos dias após a abstinência alcoólica. No fígado, os hepatócitos repletos de gordura podem se romper e formar verdadeiros lagos de gordura, podendo ocorrer reações inflamatórias. Pode haver ainda o risco da ocorrência de embolia gordurosa a partir da ruptura dos cistos gordurosos e sua saída para a corrente circulatória. No coração, a esteatose difusa pode agravar a insuficiência funcional do órgão.
LIPIDOSES
A lipidose é um tipo especial de esteatose que originam acúmulos intracelulares de outros lipídeos que não os triglicerídeos. Em geral, são representados por depósitos de colesterol e seus ésteres, sendo raros os acúmulos de lipídeos complexos como os esfingolipídeos. As lipidose podem ser localizadas ou sistêmicas.
Depósitos localizados de colesterol podem ser formados nas artérias (aterosclerose), na pele (xantomas) e em sítios de inflamações crônicas.
A aterosclerose pode ser definida como uma degeneração associada à presença de gorduras, específica da túnica íntima das artérias elásticas de grande calibre. Trata-se de um processo patológico reversível (ainda que difícil) em que se observa alteração da estrutura da camada íntima das grandes artérias decorrente da presença anormal de gorduras.
A parede das artérias elásticas de grande calibre é composta por 3 camadas denominadas de camada adventícia ou externa, camada média ou muscular e camada íntima. A camada íntima, de interesse na aterosclerose, é formada por células endoteliais, fibras elásticas delicadas, alguns fibroblastos e alguns macrófagos. Essa camada é a que mantém contato direto com o fluxo sanguíneo.
A patogenia da aterosclerose envolve estímulos agressores que, atuando na parede endotelial, provocam o aparecimento de fendas na camada íntima. Estas, durante o fluxo sangüíneo, recebem o plasma composto por substâncias de baixo peso molecular — em especial os lipídios —, que passam a se armazenar nas células dessa camada. A presença anormal das gorduras inicia a mudança estrutural da parede endotelial das grandes artérias
As alterações na estrutura das paredes vasculares sofrem evoluções que contribuem para o agravamento da ateroesclerose. Pode-se dividir essas alterações em duas fases:
· Fase de estrias lipoídicas: as células com gordura armazenada ficam dispostas em sentido longitudinal, formando verdadeiras estrias de gordura.
· Fase de placas de ateroma: as células passam a se agrupar em vários sentidos, originando placas gordurosas. Os elementos celulares localizados mais profundamente nessa estrutura morrem devido à carência nutricional. A placa, inicialmente amarelada pela predominância de gordura, assume coloração esbranquiçada devido à presença de uma cápsula fibrosa envolvendo os restos celulares
A instalação do processo de ateroesclerose pode originar complicações. Uma mudança na estrutura da parede endotelial pode induzir ao aparecimento de:
· Ulcerações
· Embolias
· Calcificações
· Obstrução ou dilatação do vaso e
· Hemorragias.
ALTERAÇÕES CELULARES COM ACÚMULOS DE PROTEÍNAS
Conceito: as degenerações hialinas ou transformações hialinas ou hialinoses são termos da patologia clássica. Hialino refere-se simplesmente a qualquer material que, ao microscópio óptico, apresenta-se homogeneamente corado pelo róseo. O termo foi utilizado pela primeira vez por Recklinghausen, devido ao aspecto vítreo da substância hialina (hialos = vidro) quando vista macroscopicamente.
"Alterações regressivas celulares que provocam o aparecimento de material nos tecidos cujo aspecto é róseo e vítreo nos preparos histológicos corados por hematoxilina e eosina".
O material hialino é constituído predominantemente por proteínas - mais comumente representadas por fibras, como a colágena - e uma pequena quantidade de carboidratos. Envolvendo, pois, proteínas, o aparecimento do material hialino intra ou extracelularmente pode ser atribuído a alterações celulares no mecanismo de metabolização protéica, que é mantido normalmente por um equilíbrio entre a síntese e a degradação dessas substâncias.
As alterações hialinas intracelulares podem representar, além de lesão celular, também acúmulo de substâncias estranhas no interior do citoplasma. O corpúsculo de Russell constitui um exemplo, em que há acúmulo de imunoglobulinas (do tipo IgG) no interior de plasmócitos. A célula fica com uma coloração intensamente eosinofílica devido a esse acúmulo protéico.

“Responder questionário I em anexo pág. 56”

MORTE CELULAR
Ao agirem sobre as células, os agentes lesivos causam lesões reversíveis ou morte celular. A morte celular depende da natureza do agente agressor e da intensidade e duração da agressão. Se existe um agente agressor não letal e uma agressão não-duradoura, a lesão não causa a morte celular e o tecido é regenerado.
Nem sempre se pode estabelecer qual o processo dentre os muitos que envolvem a morte celular, que foi o responsável pela irreversibilidade da lesão. Por outro lado podemos dizer ainda que nem sempre a morte celular seja precedida de lesões degenerativas, pois agentes agressores com alto poder de letalidade podem não dar tempo de surgir uma lesão e promover rapidamente a morte celular.
A morte celular pode ocorrer por dois mecanismos distintos:
· Necrose
· Apoptose
Se a morte ocorre no organismo vivo e é seguida de autólise, o processo recebe o nome de necrose. Autólise significa a degradação enzimática dos componentes celulares por enzimas da própria célula liberadas pelos lisossomos após a morte celular, independente de ter havido morte do indivíduo ou não.
A apoptose é um tipo de morte celular por um processo ativo no qual a célula sofre contração de suas estruturas, fragmentação e é fagocitada por células vizinhas ou por macrófagos, não ocorrendo nela o fenômeno de autólise.
Atenção: morte celular, não pode ser usada sempre como sinônimo de necrose, já que necrose é a morte celular seguida de autólise. Da mesma maneira, necrose também não pode ser sinônimo de morte celular quando esta é seguida de morte do indivíduo pois necrose indica morte celular no organismo vivo.

NECROSE
Como já definido anteriormente, o termo necrose é utilizado para indicar a morte celular ocorrida no organismo vivo e seguida de fenômenos de autólise. Quando a agressão é suficiente para interromper as funções vitais, os lisossomos perdem a capacidade de conter as hidrolases (enzimas destrutivas) e estas são ativadas pela grande concentração de Ca++ presente no citoplasma das células e iniciam o processo de autólise.
CAUSAS E TIPOS
Qualquer agente agressor pode produzir necrose. O aspecto da lesão varia de acordo com as causas embora diferentes agentes agressores possam produzir lesões semelhantes.
Os agentes agressores podem produzir necrose por diferentes mecanismos:
· Redução da energia vital quer por obstrução vascular (isquemia, anóxia), que por inibição da respiração;
· Produção de radicais livres;
· Ação direta sobre as enzimas, inibindo processos vitais da célula;
· Agressão direta à membrana citoplasmática.

A morfologia dos tecidos lesados é diferente entre os tipos de necrose e depende da causa e do órgão atingido que sofreu a lesão. Em alguns casos para se descrever as características de uma necrose, a sua denominação se refere ao aspecto macro ou microscópico da lesão; outras vezes, leva em consideração a sua causa. Os principais tipos de necrose e suas causas são:


1. Necrose por coagulação ou necrose isquêmica
Sua principal característica é o citoplasma celular com aspecto de substância coagulada (aspecto gelatinoso). Como a causa mais freqüente deste tipo de necrose é a isquemia, ela é também denominada de necrose isquêmica. Quase sempre a região necrótica é circundada por halo avermelhado (hiperemia que tenta compensar a isquemia estabelecida).

2. Necrose por Liquefação
Neste tipo de necrose, a zona necrosada, adquire consistência mole, semifluída ou mesmo liquefeita. É comum após anóxia no tecido nervoso, na supra renal e na mucosa gástrica. A liquefação é causada pela liberação de grande quantidade de enzimas lisossômicas. A inflamação produz este tipo de necrose.
3. Necrose Lítica
É a denominação que se dá a necrose dos hepatócitos nas hepatites virais, os quais sofrem lise.
4. Necrose Caseosa
Assim denominada porque a área necrosada adquire, macroscopicamente, o aspecto de massa de queijo (do latim caseum). Esse tipo de necrose é comum na tuberculose, mas podem ser encontrado também em outras doenças.
Muitos aspectos e características tentam ser associados a este tipo de necrose como a possibilidade de envolver mecanismos imunitários, mas nada se tem comprovado.
5. Necrose Gomosa
É uma variedade de necrose por coagulação, na qual o tecido necrosado assume aspecto compacto e elástico como borracha (goma). É observada na sífilis tardia ou terciária (goma sifilítica).
6. Esteatonecrose
Também denominada necrose enzimática do tecido adiposo, é uma forma de necrose que compromete os adipócitos. É um tipo de necrose que macroscopicamente apresenta um aspecto de pingo de vela. É comum na pancreatite aguda e em outros locais após traumatismo sobre tecido adiposo, principalmente na mama.
EVOLUÇÃO
Células mortas comportam-se como um corpo estranho e desencadeiam uma resposta do organismo no sentido de promover sua reabsorção e de permitir um reparo posterior. Dependendo do tipo de tecido do órgão acometido e da extensão da área lesada, uma área de necrose pode seguir vários caminhos evolutivos:
1. REGENERAÇÃO
Quando o tecido que sofreu necrose tem capacidade regenerativa, os restos celulares são reabsorvidos e fatores de crescimento são liberados no local da necrose por células vizinhas e pelos leucócitos presentes no exsudato inflamatório, induzindo assim uma vasta multiplicação ou proliferação das células parenquimatosas. Dependendo do tamanho da lesão o tecido pode ser completamente regenerado ou não.
2. CICATRIZAÇÃO
É o processo pelo qual o tecido necrosado é substituído por tecido conjuntivo cicatricial. Inicialmente, mecanismos de reabsorção são ativados pelas células vizinhas não-lesadas surgindo assim uma reação inflamatória que irá auxiliar intensamente no processo de cicatrização. Entre os estímulos que são fundamentais para a ativação do processo de cicatrização temos:
· Presença de prostaglandinas liberadas pelas células lesadas ainda não-mortas;
· Peptídeos liberados de células mortas que exercem função ou efeito quimiotático;
· Fibrinopeptídeos que irão formar a rede de fibrina que dará sustentação ao processo de cicatrização;
· Ativação da plasmina que induz à liberação de C3 que é uma proteína altamente quimiotática para neutrófilos;
· Liberação de uma série de quimiocinas pelas células vizinhas não-lesadas que também são quimiotáticas para neutrófilos e macrófagos;
· Indução da resposta Imunológica contra antígenos liberados pelas células mortas através dos linfócitos.
A ação das células T ou linfócitos T, além de eficientes na remoção de tecidos lesados através da opsonização, gera ainda mais fatores quimiotáticos e ativadores de fagócitos. As células T são ainda importantes produtoras de fatores de crescimento que irão promover a regeneração ou reparação do tecido morto.
Uma vez chegado ao tecido necrótico, neutrófilos e macrófagos fagocitam os restos celulares. Depois de o local ser “limpo” por estes fagócitos, fibroblastos e células endoteliais proliferadas ou produzidas nas imediações do tecido necrosado começam a surgir no local para a substituição das células fagocitadas.
Em resumo, podemos dizer que à medida que os fagócitos avançam e desempenham seu papel, o espaço lesado vai sendo ocupado por tecido conjuntivo vascularizado recém-formado a partir de células vizinhas não-lesadas.
A proliferação de células endoteliais e fibroblastos dependem do bom funcionamento de mecanismos que promovem a liberação de fatores de crescimento. Estes mecanismos são:
2.1. Fatores de crescimento liberados por plaquetas e macrófagos que estimulam a produção de fibroblastos
2.2. Fatores de crescimento produzidos por linfócitos e macrófagos que estimulam a proliferação do endotélio.
3. ENCISTAMENTO
Quando o material necrótico não é absorvido por ser muito volumoso ou por causas que empeçam a migração de leucócitos para a área necrosada, a reação inflamatória se desenvolve somente na periferia (circundando) da lesão. Este fato causa a proliferação conjuntiva e formação de uma cápsula que encista o tecido necrosado o qual vai sendo reabsorvido lentamente.

4. ELIMINAÇÃO
Se a zona de necrose formada possui uma comunicação com o meio externo, o material necrosado é lançado através de uma estrutura canicular (cano) formado entre a lesão e o meio externo, originando uma cavidade.
5. CALCIFICAÇÃO
A zona de necrose pode também se calcificar. Certos tipos de necrose tendem frequentemente à calcificação, como a necrose caseosa. Sabe-se que os níveis de Ca++ aumentam substancialmente nos tecidos mortos, mas se sabe muito pouco sobre os mecanismos que regulam esta calcificação.
GANGRENA
A gangrena é uma forma de evolução da necrose, resultante da ação de agentes externos sobre o tecido necrosado. A desidratação da região atingida, especialmente quando em contato com o ar, origina a gangrena seca, tomando, a área lesada um aspecto de pergaminho, semelhante ao observado nos tecidos que envolviam as múmias, por isso este tipo de gangrena também é conhecido por mumificação.
A gangrena úmida ou pútrida decorre da invasão da região necrosada por microrganismos anaeróbios produtores de enzimas que tendem a liquefazer os tecidos mortos e a produzir gases de odor fétido.
A gangrena seca ocorre com mais intensidade nas extremidades e é resultado de lesões ou obstruções vasculares como as que ocorrem no diabete melito. A gangrena úmida é comum nas necroses do tubo digestivo, dos pulmões e da pele.
A absorção dos produtos tóxicos resultantes da gangrena pode provocar reações sistêmicas fatais, induzindo um choque do tipo séptico.
Um terceiro tipo de gangrena é a gangrena gasosa, que é secundária ou resultante da contaminação do tecido necrosado com germes do gênero Clostridium que produzem enzimas proteolíticas e lipolíticas além de grande quantidade de gás, sendo evidente a formação de bolhas gasosas. A gangrena gasosa é muito comum nas feridas infectadas dando ao paciente um aspecto de putrefação na área lesada. Esta gangrena foi muito comum e levou à morte muitos soldados da primeira guerra mundial.

APOPTOSE
Inicialmente conhecida como morte celular programada, é um fenômeno em que a célula é estimulada a acionar mecanismos que culminar com sua morte. Diferenciam-se da necrose, pois a célula em apoptose não sofre autólise, e a célula que sofre apoptose é fragmentada e seus fragmentos são endocitados por células vizinhas. Outro fator de diferenciação entre a necrose e a apoptose é que a apoptose não desencadeia a quimiotaxia, ou seja, ela não atrai e nem ativa células fagocitárias, pois como já vimos os fragmentos são endocitados por células vizinhas.
A apoptose é uma modalidade de morte celular muito freqüente, tanto em estados fisiológicos como patológicos. Em condições normais, é um mecanismo importante na remodelação de órgão durante a embriogênese (desenvolvimento do embrião) e na vida pós-natal; além disso, participa do controle da proliferação e diferenciação celular, fazendo com que uma célula estimulada a se diferenciar possa ser eliminada após ter cumprido sua função, sem causar transtorno para as demais células do tecido ou órgão. Um bom exemplo para que possamos melhor entender é o das glândulas mamárias: terminada a fase de lactação, as células que se desenvolveram para secretar o leite entram em apoptose, restando apenas as células dos ductos mamários. No caso, a cessação dos estímulos hormonais que mantinham a secreção do leite desencadeia sinais para ativar o processo de apoptose. De forma semelhante, linfócitos que proliferam após estimulação tendem a entrar em apoptose cessando o estímulo ou quando o estímulo é inadequado.
A manutenção do número de células num tecido é feita pelo controle dos mecanismos de proliferação (mitoses) e da apoptose. Quando ocorre distúrbio da proliferação celular, como no câncer, verifica-se que há não só proliferação descontrolada, como também a redução das células proliferadas de entrar em apoptose.
A apoptose que ocorre em condições patológicas, como a do câncer, é desencadeada por inúmeros agentes, como:
· Vírus;
· Hipóxia (redução de oxigênio nos tecidos)
· Substâncias químicas;
· Agressões imunitárias;
· Radiações ionizantes
· Etc...
PATOGÊNESE DA APOPTOSE
A apoptose pode ser desencadeada por estímulos exógenos que agem em receptores de membrana celular, ou por estímulos endógenos gerados após diferentes agressões como as citadas acima. Independentemente do estímulo, ela é sempre resultante da ativação de proteases que causam as alterações funcionais e morfológicas nas células envolvidas no processo.
AMILOIDOSE
Trata-se de um tipo de doenças que têm em comum a deposição (acúmulo) no interstício de um material protéico fibrilar, chamado de substância amilóide. O termo “amiloidose” foi empregado por Virchow no século XIX. O nome amilóide significa “semelhante ao amido”, pois se acreditava que a substância que se acumulava no interstício era derivada do amido, porém, mais tarde comprovou-se que tal substância era de origem protéica, não tendo nenhuma relação com o amido.
A deposição de substâncias protéicas que originam a amiloidose ocorre de forma lenta, sendo em sua maioria assintomática, porém, a patologia passa a ter um relativo significado clínico quando atinge os rins, o fígado e o coração, causando síndromes renais e hepáticas e arritmia cardíaca por atingir o sistema de condução que origina e cadencia o batimento cardíaco.
As amiloidoses podem ser classificadas em:
1. Sistêmica ou localizada;
2. Primária ou idiopática (quando não possuem causa definida);
3. Secundária (quando provocada por alguma doença)
4. Hereditária (quando condicionada por um fator genético).
Os principais tipos de amiloidose são:
Amiloidose reacional ou secundária a Inflamação;
Amiloidose sistêmica secundária a discrasia de células plasmáticas;
Amiloidose sistêmica não associada à discrasia de células plasmáticas;
Amiloidose sistêmica familial da febre do Mediterrâneo (genética);
Amiloidose secundária a hemodiálise prolongada;
Amiloidose familial hereditária polineuropática (os depósitos ocorrem nos nervos periféricos e gânglios do sistema nervoso autônomo);
Amiloidose de origem endócrina associada a neoplasias;
Amiloidose senil;
A patogênese da amiloidose é ainda muito complexa e mal conhecida. Várias teorias tentam explicar tal patologia, mas ainda se sabe muito pouco.

CICATRIZAÇÃO

É o processo pelo qual um tecido lesado é substituído por tecido conjuntivo vascularizado, sendo semelhante quer a lesão tenha sido traumática, que ocasionado por necrose. Em ambos os casos, o primeiro passo é a instalação de uma reação inflamatória cujo exsudato de células fagocitárias reabsorve o sangue extravasado e os produtos da destruição tecidual. Em seguida, há proliferação fibroblástica e endotelial que forma o tecido conjuntivo cicatricial. Posteriormente, o tecido cicatricial sofre remodelação, que resulta na redução do volume da cicatriz, podendo chegar até o desaparecimento. A cicatrização pode ocorrer de duas maneiras distintas:

· Cicatrização por primeira intenção ou primária
· Cicatrização por secunda intenção ou secundária

Cicatrização por primeira intenção

É mais rápida e forma cicatrizes menores, visto que a fenda da ferida que promove este tipo de cicatrização é mais estreita e a destruição tecidual nas sua bordas é menos. O exemplo clássico é o das feridas cirúrgicas, em que o sangue extravasado pelo corte forma um coágulo que ocupa o espaço entre as margens da ferida. A reação inflamatória se instala a partir da liberação de mediadores originados do coágulo, das bordas da ferida e das células epiteliais da margem da lesão.

A quimiotaxia, ou seja, a atração dos leucócitos para o foco inflamatório formado é de fundamental importância para que a cicatrização seja bem sucedida. Esses leucócitos irão aderir à lesão para que posteriormente à adesão eles venham a fagocitar os coágulos e iniciar a produção do TECIDO CONJUNTIVO CICATRICIAL e a regeneração do epitélio. Estes processos que envolvem a cicatrização passam por várias fases até obterem o resultado esperado que consista basicamente na substituição do coágulo por tecido conjuntivo cicatricial vascularizado e remodelado.

Cicatrização por segunda intenção

Quando a ferida é extensa e têm bordas afastadas, forma-se um grande coágulo; se há infecção associada, surge reação inflamatória exuberante. Nos dois casos a exsudação de fagócitos é muito intensa e forma-se abundante tecido de granulação (é um tecido resultante do processo de cicatrização que apresenta uma vasta rede de capilares sanguíneos). Como as bordas da ferida são distantes, a regeneração da epiderme é mais lenta e demora mais tempo para se completar. As células da epiderme proliferam nas margens, onde ocorre certo grau de hiperplasia devido a grande quantidade de fatores de crescimento liberados a partir de células exsudadas.

Deficiência de cicatrização

A cicatrização é influenciada por fatores locais e sistêmicos que podem reduzir, retardar ou impedir o processo. Infecção e corpos estranhos (talco, pedaços de gaze, fios de sutura pouco absorvíveis etc.) retardam o processo cicatricial porque mantêm a reação inflamatória em atividade. Desnutrição, especialmente deficiência de proteínas, de vitamina C ou de zinco retarda a cicatrização por interferir diretamente nos processos de síntese do colágeno.

O diabete acompanha-se de cicatrização deficiente por causa das lesões vasculares (hipóxia) e das alterações nas células fagocitárias que favorecem a instalação de infecções.

Nos idosos, a cicatrização é mais lenta devido à redução na capacidade proliferativa das células. Neutropenias, neutropatias (defeitos intrínsecos dos neutrófilos) e deficiência na síntese de moléculas de adesão no endotélio ou nos fagócitos, acompanham-se de retardo na cicatrização também por facilitar as infecções.

Cicatrização hipertrófica. Quelóide

Cicatrização hipertrófica e quelóide são duas condições semelhantes em que há formação excessiva de tecido conjuntivo denso em cicatriz cutânea, a qual pode adquirir volume considerável. A cicatriz hipertrófica tende a ser reversível, regredindo parcialmente com o passar do tempo. O quelóide forma tumorações nas áreas de cicatrizações, mesmo em pequenas feridas, podendo não regredir ou ter regressão muito lenta.

As duas alterações são mais freqüentes em jovens negros ou amarelos, mas não se conhece o defeito que leva ao descontrole da síntese do colágeno dois processos. Trata-se de situações em que os mecanismos que promovem a cicatrização estão de certa forma, aumentados e os mecanismos que promovem a remodelação da área lesada estão reduzidos.

PIGMENTAÇÕES

Pigmento (do latim pigmentu = cor para pintar) é designação dada a substâncias que possuem cor própria e que têm origem, composição química e significado biológico diversos. Os pigmentos acham-se distribuídos amplamente na natureza e são encontrados em células vegetais e animais, nas quais desempenham importantes funções (p. ex., clorofila, melanina e outros).

Denomina-se pigmentação ao processo de formação e/ou acúmulo, normal ou patológico, de pigmentos em certos locais do organismo. Pigmentação patológica pode representar o resultado de alterações bioquímicas, sendo o acúmulo ou a ausência de determinados pigmentos um dos aspectos mais marcantes em várias doenças.

Grande número de pigmentos origina-se de substâncias sintetizadas pelo próprio organismo: são os pigmentos endógenos. Outros, denominados pigmentos exógenos, são formados no exterior e, por via respiratória, digestiva ou parenteral, penetram e depositam-se em diversos órgãos.
O acúmulo anormal de pigmentos ou a sua diminuição também são indicativos de que a célula sofreu agressões. Uma pigmentação anormal é mais um sinal de perda da homeostase e da morfostase celular, portanto, é patológica.
PIGMENTAÇÕES HEMOGLOBÍNICAS
Pigmentos Biliares
O principal pigmento biliar é a bilirrubina, produto final do catabolismo da fração heme da hemoglobina e de outras hemoproteínas. Embora, desde a sua caracterização inicial, ela não tenha sido associada a nenhuma função aparente, mais recentemente tem-se demonstrado que, em concentrações normais ou discretamente elevadas, a bilirrubina não-conjugada possui ação antioxidante, ou seja, a capacidade de se combinar com radicais livres formados durante o metabolismo celular oxidativo.
Tradicionalmente, são duas as razões para a atenção que os profissionais da saúde dedicam a bilirrubina. Primeiramente, o aumento acentuado dos níveis sanguíneos de bilirrubina não-conjugada, particularmente no recém-nascido pode causar lesão cerebral irreversível, morte e, nos casos de sobrevida pode deixar seqüelas neurológicas permanentes.
O segundo de total atenção à bilirrubina se deve porque o conhecimento de seu metabolismo é essencial para o diagnóstico e avaliação de um grande número de doenças, hereditárias ou adquiridas, do fígado e do sangue.
Distúrbios associados ao aumento da produção de bilirrubina ou na remoção desta da corrente circulatória resultam na elevação de seus níveis sanguíneos (hiperbilirrubinemia) e em um sinal clínico muito importante, a icterícia.
PIGMENTAÇÃO EXÓGENA
A pigmentação exógena pode ser dividida nos seguintes tipos
ANTRACOSE: pigmentação por sais de carbono. Comum sua passagem pelas vias aéreas, chegando aos alvéolos pulmonares e ao linfonodos regionais por intermédio da fagocitose do pigmento. A antracose em si não gera grandes problemas, mas sua evolução pode originar disfunções pulmonares graves, principalmente em profissionais que constantemente entram em contato com a poeira de carvão. Cor: varia do amarelo-escuro ao negro.
SIDEROSE: pigmentação por óxido de ferro. Cor: ferrugem.
ARGIRIA: pigmentação por sais de prata. Geralmente é oriunda por contaminação sistêmica por medicação, manifestando-se principalmente na pele e na mucosa bucal. Cor: acinzentada a azul-escuro e enegrecida se a prata sofrer redução.
BISMUTO: Atualmente é rara de ser vista, sendo comum na terapia para sífilis. Cor: enegrecida.
TATUAGEM: feita por sais de enxofre, mercúrio, ferro e outros corantes. A fagocitose, feita por macrófagos, desses pigmentos pode provocar a transferência destes para linfonodos regionais. Cor: varia conforme o tipo de pigmento presente.
SATURNISMO: contaminação por sais de chumbo. Cor: azulada ou negra, dependendo da profundidade do tecido onde se encontra. Na gengiva, a contaminação por sais de chumbo ou bismuto produz uma coloração negra denominada de LINHA DE BURTON.
TATUAGEM POR AMÁLGAMA: áreas de coloração azulada na mucosa bucal decorrente da introdução de partículas de amálgama na mucosa; essa introdução pode ser devida à lesão na mucosa no local da restauração no momento de inclusão do amálgama na cavidade.
É importante ressaltar que a patologia das pigmentações centra-se no fato de que estão presentes não somente cores diferentes no local, mas também, e principalmente, substâncias estranhas aos tecidos, provocando as chamadas reações inflamatórias. Os agentes pigmentadores exógenos, assim, constituem, antes de mais nada, fatores de agressão, ao contrário dos agentes pigmentadores endógenos, naturais no organismo, cuja presença indica que o tecido está sofrendo algum tipo de agressão não necessariamente provocado pelo pigmento.
PIGMENTAÇÃO ENDÓGENA
A pigmentação endógena pode ser dividida em dois grupos: grupo dos pigmentos hemáticos ou hemoglobinógenos, oriundos da lise da hemoglobina, e grupo dos pigmentos melânicos, originados da melanina.
PIGMENTOS HEMÁTICOS OU HEMOGLOBINÓGENOS
Esses pigmentos se originam da hemoglobina, proteína composta por quatro cadeias polipeptídicas e quatro grupos heme com ferro no estado ferroso (Fe++). Sua porção protéica é chamada de globina, consistindo de duas cadeias alfa e duas beta (as cadeias alfa têm forma helicoidal). A lise dessa estrutura origina os pigmentos denominados de hemossiderina e bilirrubina.
Hemossiderina: resultado da polimerização do grupo heme da hemoglobina, a hemossiderina é uma espécie de armazenagem do íon ferro cristalizado. Este se acumula nas células, principalmente do retículo endotelial. É originada da lise de hemácias, de dieta rica em ferro ou da hemocromatose idiopática (alteração da concentração da hemoglobina nos eritrócitos). Sua cor é amarelo-acastanhado.
Porfirinas: pigmento originado semelhantemente à hemossiderina, sendo encontrado mais na urina em pequena quantidade. Quando há grande produção deste, pode ocasionar doenças denominadas de "porfirias".
Bilirrubina: é o produto da lise do anel pirrólico, sem a presença de ferro. Conjugada ao ácido glucurônico pelo hepatócito, a bilirrubina torna-se mais difusível, não se concentrando nas células que fagocitam hemáceas, o que provoca um aumento generalizado desse pigmento, denominado de icterícia. Tem sua origem nos casos de lise hemática, de doença hepatocítica ou de obstrução das vias biliares. Acredita-se, hoje, que a bilirrubina seja originada da hematoidina, pigmento que se cristaliza próximo às hemácias rompidas.
Hematoidina: pigmento de coloração mais amarelada que a hemossiderina, apresentando granulação sob a forma de cristais bem nítidos. Também não possui ferro, semelhantemente à bilirrubina. Forma-se em locais com pouco oxigênio.
Esses pigmentos são naturalmente encontrados no organismo. Heterotopias ou heterometrias envolvidas com a produção deles, entretanto, indicam que há alguma alteração no metabolismo das hemácias ou dos hepatócitos, respectivamente para a hemossiderina e bilirrubina.
PIGMENTOS MELÂNICOS
Produzida por melanoblastos, a melanina tem cor castanho-enegrecida, sendo responsável pela coloração da pele, dos pêlos e do olho. O processo de síntese da melanina é controlado por hormônios, principalmente da hipófise e da supra-renal, e pelos hormônios sexuais. Casos de alterações nessas glândulas podem acarretar em aumentos generalizados da melanina. Exposições aos raios ultravioleta também provocam esses efeitos.
Os aumentos localizados da melanina podem se manifestar sob as seguintes formas:
Nevus celulares: localização heterotópica dos melanoblastos (camada basal da epiderme). Os nevus podem ser planos (ditos juncionais) ou elevados (dérmicos ou intradérmicos).
O nevus ou nevo é definido como uma mancha amarronzada circunscrita, semelhante a uma mancha café com leite, sobreposta por máculas ou pápulas hipercrômicas que correspondem na maioria dos casos a um lentigo simples (hiperplasia dos melanócitos) ou a um nevo melanocítico. Os nevus podem ser de origem adquirida ou congênita.
Melanomas: manchas escuras, de natureza cancerosa. Há o aumento da quantidade de melanócitos, os quais se encontram totalmente alterados, originando esse tumor maligno. Em geral, os melanomas são destituídos de pigmentação melânica devido à natureza pouco diferenciada do melanócito.
Melanomas são lesões pigmentadas que aparecem na pele normalmente em áreas que ficam expostas. É o tipo de câncer que mais cresce no mundo que, se submetida a tratamento pode ser curável. O sintoma mais comum é a mudança nas características de uma pinta que pode se ter desde a infância ou que apareceu repentinamente.
A mancha pode sofrer uma alteração de cor, ficar áspera, desenvolver bordas irregulares como se estivessem crescendo, apresentar coceira e sangrar facilmente. Quando já está em estágio avançado, os melanomas apresentam feridas, provocam perda de peso e mudanças quanto ao funcionamento intestinal.
Apresenta alto risco de metástase, ou seja, pode espalhar-se por todo o organismo apresentando outros tumores a partir do primeiro comprometendo os órgãos vitais. Deve-se tomar muito cuidado, pois, após a metástase o câncer se torna quase que incurável. O diagnóstico é feito através de pintas que mostram mudanças de cor e aspecto.
Efélides ou Sardas: hiperpigmentação na membrana basal causada por melanoblastos.
As sardas são causadas por aumento de pigmento da pele em determinados locais, apresentando uma tendência familiar, principalmente em indivíduos de pele clara e de cabelos ruivos. Elas localizam-se em áreas expostas ao sol, acentuando-se durante o verão e regredindo, podendo até desaparecer, no inverno. Caracterizam-se por manchas arredondadas e de coloração marrom ou acastanhada.
Essas manchas não apresentam risco aumentado de evolução para câncer de pele, no entanto, sua presença em grande quantidade pode representar um marcador de risco aumentado, já que seriam encontradas em pessoas de pele clara e com história de exposição prolongada e desprotegida ao sol.

Mancha mongólica: mancha clara, principalmente na região do dorso e sacral.
O nome "mongólica" refere-se à observação inicial das manchas em crianças da Mongólia.
A mancha mongólica é o resultado de um aglomerado de melanócitos em uma área da pele de recém-nascidos, sendo mais comum em negros e asiáticos. No caso dos brasileiros, devido à mistura de raças, a mancha mongólica é comum mesmo em nenês de pele clara, sendo mais um dado que sugere sermos na maioria geneticamente negros.

Como diminuição localizada da pigmentação melânica tem-se:
Vitiligo: comum nas mãos; causada pela diminuição da quantidade de melanócitos produtores de pigmento na epiderme, manifestando-se clinicamente como manchas apigmentadas.
Albinismo: forma recessiva e autossômica; localizada principalmente na região do crânio; os melanócitos encontram-se em número normal, mas não produzem pigmento.

“RESPONDER QUESTIONÁRIO II pg. 61”
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INFLAMAÇÕES

Inflamação ou flogose (do latim inflamare e do grego phlogos, que significam pegar fogo) é uma reação dos tecidos vascularizados a um agente agressor caracterizada morfologicamente pela saída de líquidos e de células do sangue para o interstício. Embora em geral constitua um mecanismo defensivo muito importante contra inúmeras agressões, em muitos casos a reação inflamatória pode também causar danos ao organismo.

Apesar de suas causas serem muito variadas, os mecanismos de aparecimento das inflamações são muito comuns. O agente inflamatório ou flogógeno agem sobre o tecido e induz a liberação de mediadores que, ao agirem nos receptores existentes nas células da microcirculação e nos leucócitos produzem aumento da permeabilidade vascular e exsudação de plasma e de células sanguíneas para o interstício. Os estímulos que levam a liberação dos mediadores dessa reação levam também, de modo mais lento, à liberação de mediadores com efeitos antiinflamatórios, que são responsáveis pela redução da exsudação dos leucócitos e pela proteção contra os possíveis efeitos lesivos dessas células. Desse modo, cessada a ação do agente inflamatório, reduz-se a liberação dos mediadores pró-inflamatórios, passando a predominar os mediadores antiinflamatórios. Em conseqüência, a microcirculação recupera o estado de homeostasia original e o líquido e as células exsudadas voltam à circulação sanguínea, através dos vasos linfáticos. Se há necrose, o tecido destruído é fagocitado e, logo depois, surgem os fenômenos de cicatrização ou regeneração, tudo dependendo da extensão da lesão e do órgão acometido como já vimos anteriormente. O processo inflamatório, portanto, é um fenômeno essencialmente dinâmico, razão pela qual seu aspecto morfológico se modifica com o tempo.

Para tornar-se um agente inflamatório, ou seja, um estímulo que desencadeie esses fenômenos de transformação nos tecidos, o agente lesivo tem que ser suficientemente intenso para provocar tais reações e ultrapassar as barreiras de defesa externas (como o derma, por exemplo), sem, contudo alterar a vitalidade do tecido em que atua. Portanto, qualquer causa de agressão é, potencialmente, um agente flogístico.
O tempo de duração e a intensidade do agente inflamatório determinam diferentes graus ou fases de transformação nos tecidos, caracterizando uma inflamação como sendo, por exemplo, do tipo agudo ou crônico. Para o melhor entendimento desse conceito, passaremos a estudar, a seguir, os momentos da inflamação.
MOMENTOS DA INFLAMAÇÃO
Classicamente, existem alguns fenômenos básicos comuns a qualquer tipo de inflamação e que independem do agente inflamatório. Esses momentos ou fases caracterizam a inflamação do tipo aguda, a qual sempre antecede a inflamação do tipo crônica. A divisão desses momentos em cinco itens, a seguir explicitados, é meramente didática. Todos eles acontecem como um processo único e concomitante, o que caracteriza a inflamação como um processo dinâmico. São eles:
1) Fase irritativa: modificações morfológicas e funcionais dos tecidos agredidos que promovem a liberação de mediadores químicos, estes desencadeantes das demais fases inflamatórias.
2) Fase vascular: alterações hemodinâmicas da circulação e de permeabilidade vascular no local da agressão.
3) Fase exsudativa: característica do processo inflamatório, esse fenômeno compõe-se de exsudato celular e plasmático oriundo do aumento da permeabilidade vascular.
4) Fase degenerativa-necrótica: composta por células com alterações degenerativas reversíveis ou não (neste caso, originando um material necrótico), derivadas da ação direta do agente agressor ou das modificações funcionais e anatômicas conseqüentes das três fases anteriores.
5) Fase produtiva-reparativa: relacionada à característica de hipermetria da inflamação, ou seja, exprime os aumentos de quantidade dos elementos teciduais - principalmente de células -, resultado das fases anteriores. Essa hipermetria da reação inflamatória visa destruir o agente agressor e reparar o tecido injuriado.
A manifestação clínica dessas fases se dá por intermédio de cinco sinais, intitulados SINAIS CARDINAIS, que caracterizam a agudização do processo inflamatório. São eles tumor, calor, rubor, dor e perda da função. O tumor é causado principalmente pela fase exsudativa e produtiva-reparativa, representadas pelo aumento de líquido (edema inflamatório) e de células. O calor é oriundo da fase vascular, em que se tem hiperemia arterial e, conseqüentemente, aumento da temperatura local. O rubor ou vermelhidão também é decorrente desse mesmo fenômeno. A dor, por sua vez, é originada de mecanismos mais complexos que incluem compressão das fibras nervosas locais devido ao acúmulo de líquidos e de células, agressão direta às fibras nervosas e ação farmacológica sobre as terminações nervosas; portanto, engloba pelo menos três fases da inflamação (irritativa, vascular e exsudativa). A perda de função, por fim, é decorrente do tumor (principalmente em articulações, impedindo a movimentação) e da própria dor, dificultando as atividades locais.

FENÔMENOS IRRITATIVOS
Os fenômenos irritativos estão intimamente ligados aos fenômenos vasculares, por envolverem a mediação química de fármacos que agem diretamente sobre a parede vascular, ocasionando as alterações vasculares. Por questão de didática, serão abordados separadamente; contudo, é preciso lembrar que nem sempre essas duas fases da inflamação são abordadas desta maneira por outros autores.
Esta fase tem como característica fundamental, a mediação química, ou seja, fenômeno em que ocorre a produção e/ou liberação de substâncias químicas diante da ação do agente inflamatório. Essas substâncias atuam principalmente na microcirculação do local inflamado, provocando, dentre outras modificações, o aumento da permeabilidade vascular. Vale dizer que em qualquer fase da inflamação observa-se a fase irritativa; em cada uma delas, há liberação de mediadores químicos diferentes.
A seguir, estão relacionados os principais grupos de mediadores químicos que atuam na inflamação. Eles estão divididos em dois grupos segundo o tempo de contato dos tecidos com o agente inflamatório.


Alguns mediadores e sua influência, no decorrer do tempo, em relação à quantidade de líquido de edema (exsudação plasmática) que extravasa devido à ação desses fármacos na parede vascular. Veja que a histamina e a serotonina atuam nas primeiras horas, sendo de mediação rápida. Já as cininas atuam mais tardiamente, mas não provocam tanto aumento da permeabilidade vascular (há diminuição da quantidade de edema). Por fim, as prostaglandinas, de mediação tardia, incrementam a permeabilidade vascular, ou seja, há aumento da quantidade de líquido de edema. O complemento, considerado de mediação tardia, na verdade está presente em todos os momentos da inflamação.

Mediadores de ação rápida: liberados imediatamente após a ação do estímulo agressor. Têm ação principalmente sobre os vasos e envolvem o grupo das aminas vasoativas.
Aminas vasoativas: originárias do tecido agredido. Atuam sobre a parede vascular, não exercendo quimiotaxia sobre os leucócitos, como alguns mediadores de ação prolongada. Compreendem, dentre outros, a histamina e a serotonina:
· Histamina: sintetizada nos granulócitos basófilos, nas plaquetas e, principalmente, nos mastócitos, que a liberam quando agredidos. Provoca contração das células endoteliais venulares, com conseqüente aumento da permeabilidade vascular, e vasodilatação. Tem destacada participação no mecanismo de formação do edema inflamatório.
· Serotonina: encontrada nas plaquetas, na mucosa intestinal e no SNC, a serotonina tem uma provável ação vasodilatadora e de aumento da permeabilidade vascular.


A HISTAMINA E OS MASTÓCITOS
Os mastócitos são células teciduais (não estão circulantes) que circundam os vasos e possuem receptores IgE (um tipo de imunoglobulina, ou seja, uma anticorpo, formado por proteínas específicas destinadas a reações imunológicas auto-imunes) na sua membrana externa. Eles estão localizados nas regiões de mucosa que estão em contato com o meio externo. Quando um mastócito é estimulado por um antígeno através de seus receptores IgE, ocorre a desgranulação e liberação de histamina. A histamina também é encontrada em basófilos, porém, os mastócitos são mais sensíveis à modulação farmacológica e por isso mais eficientes na sua liberação.
A histamina exerce seu papel através da interação com um dos três receptores distintos presentes nas células- alvo, conhecidos como H1, H2 e H3. Porém, para os mecanismos da inflamação, devemos ter uma especial atenção com o H1, pois os endoteliócitos possuem esse receptor e, quando ele é estimulado pela ação da histamina, a célula se contrai resultando em um aumento da permeabilidade vascular das vênulas pós-capilares. Além dessa função, a histamina provoca a dilatação das arteríolas, fazendo com que se tenha um maior aporte sangüíneo à região e uma menor velocidade do fluxo (estase sangüínea), fatos que contribuem para outras fases da inflamação, como a fase exsudativa.
Mediadores de ação prolongada: liberados mais tardiamente, diante da persistência do agente flogístico. Atuam nos vasos e, principalmente, nos mecanismos de quimiotaxia celular, contribuindo para a exsudação celular. Compreendem substâncias plasmáticas e lipídios ácidos.
1) Substâncias plasmáticas: as substâncias plasmáticas estão divididas em três grandes sistemas: o sistema das cininas (envolvendo principalmente a plasmina e a bradicinina), o sistema complemento e o sistema de coagulação (representado aqui pelos fibrinopéptides).
· Plasminogênio/Plasmina: a plasmina é uma protease que digere uma ampla gama de proteínas teciduais como fibrina, protrombina, globulina etc. Sua forma inativa, o plasminogênio, é ativada por enzimas lisossômicas, quinases bacterianas, teciduais e plasmáticas. A presença da plasmina incrementa a permeabilidade vascular, provoca o surgimento de fibrinopéptides, libera cininas e atua sobre o complemento.
· Bradicinina: ativado no interstício, esse peptídio tem ação vasodilatadora de pequenas artérias e arteríolas, também aumentando a permeabilidade vascular. Por atuar em terminações nervosas, pode provocar o surgimento de dor.
· Complemento: é um fragmento protéico originário de uma proteína plasmática termolábel que se rompe devido a algumas reações entre proteínas plasmáticas e intersticiais (como, por exemplo, as reações antígeno-anticorpo). Aumenta a permeabilidade vascular por provocar a liberação de histamina ou por ação direta sobre a parede vascular. Também tem atividade de quimiotaxia, contribuindo para a exsudação celular, principalmente de neutrófilos.
· Fibrinopéptides: produto da transformação do fibrinogênio em fibrina (no sistema de coagulação) ou da ação da plasmina sobre essas duas substâncias, os fibrinopéptides têm ação quimiotática sobre os leucócitos, evento observado na fase de exsudação celular, e podem aumentar a permeabilidade vascular.
2) Lipídios ácidos: representados principalmente pela prostaglandina.
· Prostaglandina: participa de fases mais tardias da inflamação; é um composto de cadeias longas formadas por ácidos graxos, tendo sido observado primeiramente no líquido seminal (daí ter o nome de prostaglandina - "prosta"=próstata; "glandina"= provavelmente "glândula"); provocam contração das células endoteliais e vasodilatação e potencializam as respostas vasculares oriundas da ação da bradicinina.

O SISTEMA COMPLEMENTO
O sistema complemento é formado pelo conjunto de 11 proteínas diferentes, que estão presentes no interstício sob forma inativa. Essas 11 proteínas são indicadas pela letra "C" acompanhada de um número (de 1 a 9; a C1 é formada por três subunidades). Quando ativadas, essas proteínas podem provocar, dentre outros efeitos, citólise (rompimento da membrana citoplasmática de células), liberação de enzimas que atuam nos vasos, liberação de substâncias quimiotáticas para neutrófilos e liberação de histamina por atuação nos mastócitos. Portanto, sua atuação é, por excelência, de um mediador químico da inflamação.

Os mecanismos de ativação dessas proteínas ainda não são conhecidos totalmente, mas se sabe que, uma vez ativada uma proteína, as demais também são acionadas em cascata. São conhecidos dois mecanismos de ativação: um pela proteína C1 (considerada a via clássica de ativação) e outro pela C3 (denominada via alternativa). A C1 é ativada pela ação de imunoglobulinas (proteínas que formam os anticorpos) do tipo M e G. A ação dessas imunoglobulinas sobre o sistema complemento constitui uma forma de ampliação do sistema imune. Já a proteína C3 é ativada por inúmeras vias, dentre elas lipopolissacarídeos de alguns microorganismos e complexos formados pela imunoglobulina do tipo A. Essa via, diferentemente da clássica (pela C1), não interfere diretamente no sistema imunológico, mas consiste em um excelente mecanismo de defesa contra microorganismos, principalmente bactérias Gram-negativas e alguns fungos.
Vale dizer que a ativação do sistema complemento, além dos efeitos já citados, pode favorecer a atuação do sistema de coagulação e do sistema de cininas, sistemas esses que também contêm elementos considerados mediadores químicos da inflamação.
Um outro ponto importante a ser considerado é que o sistema complemento atua tanto nos mecanismos imunológicos quanto inflamatórios. Há quem diga que ambos os mecanismos, na verdade, constituem um único sistema de defesa; inflamação e imunologia seria assim uma única coisa, apesar de terem modelos teóricos de análise, até certo ponto, distintos. O sistema complemento constitui um bom exemplo de intersecção entre dois sistemas cujo efeito biológico é o de defesa.

FENÔMENOS VASCULARES
A fase vascular reúne todas as transformações ocorridas na microcirculação do local inflamado. Isso ocorre após alguns minutos do início da ação do agente flogístico, intervalo em que se processa a liberação dos mediadores químicos.
As modificações vasculares incluem alterações no leito vascular e no fluxo sanguíneo, o que origina diferentes formas de hiperemia, estas moduladas pela intensidade do agente agressor e pelos graus de resposta do tecido. Acompanhando a hiperemia vêm a isquemia e o edema, outras duas formas de reações vasculares. Esses três fenômenos, juntos, formam um conjunto de respostas vasculares imediatas à presença do estímulo agressor, sendo esse conjunto denominado de Tríplice resposta de Lewis. Em termos macroscópicos, assim, imediatamente após a agressão, observa-se inicialmente uma zona esbranquiçada (isquemia), a qual é substituída por uma zona avermelhada ou eritema (hiperemia) ao redor do local agredido; mais tardiamente, surge aumento de volume local (edema). O mecanismo dessa resposta pode ser o seguinte:
1) Isquemia transitória: devido à constrição arteriolar oriunda de um reflexo axo-axônico local provocado pelo estímulo agressor; há parada do fluxo sangüíneo e, conseqüentemente, o local fica esbranquiçado.
2) Hiperemia arteriolar ou ativa: após a contração e a parada de circulação sangüínea, o fluxo é restabelecido, sendo os capilares totalmente preenchidos por sangue; essa reação na microcirculação, aliada à parada da estimulação simpática vascular, o que resulta em uma vasodilatação arteriolar por toda rede microcirculatória local, leva ao aparecimento do eritema (zona avermelhada); venular ou passiva: dilatação das vênulas mediada por estimulação farmacológica, principalmente histamínica, com posterior exsudação plasmática e edema.
3) Edema: devido ao aumento da pressão hidrostática e da permeabilidade venular, provocando perda de água e eletrólitos e diminuição da velocidade sanguínea. Será mais bem estudado na exsudação plasmática.
Essa tríplice resposta é desencadeada por reflexos nervosos locais provocados pelo agente inflamatório. A hiperemia e o edema são mantidos por mais tempo devido à ação da fase irritativa, o que leva à fase exsudativa. Portanto, seguinte a uma reação puramente nervosa (elétrica), tem-se uma reação farmacológica.

O EXPERIMENTO DE LEWIS
A tríplice resposta de Lewis é até hoje considerada o modelo clássico para explicar as alterações vasculares na inflamação. Esse modelo foi resultado de um experimento bem simples realizado por Sir Thomas Lewis, que permitiu ao pesquisador depreender sobre a influência da histamina na fase irritativa. O experimento consistiu em atritar fortemente a pele do antebraço em sua face anterior; imediatamente aparecia uma linha esbranquiçada e, em seguida, uma linha vermelha bem no local atritado. Segundo Guidugli-Neto (1997), esse vermelhão atingia seu máximo até 40 segundos após o atrito, tornando-se então azulada. Após 1 minuto, surgia o eritema (vermelhidão ao redor da lesão) e, depois, aumento de volume localizado (edema). Lewis notou pequenas variações de intensidade e duração dos fenômenos de indivíduo para indivíduo.
A linha esbranquiçada inicial representa a isquemia reflexa à agressão; a linha vermelha é oriunda de vasodilatação arteriolar, venular e capilar; por fim, o eritema ao redor do local agredido é resultado de ação reflexa da microcirculação adjacente. O edema constitui o resultado final dessas alterações vasculares.

OS EFEITOS SOBRE AMICROCIRCULAÇÃO NA INFLAMAÇÃO
Em condições normais de repouso, o sangue não percorre todos os capilares que comunicam as arteríolas pré-capilares com as vênulas. Segue as vias preferenciais, enquanto os demais capilares ficam vedados à circulação pela contração dos esfíncteres.
Quando ocorre uma agressão local, a ação direta deste estímulo sobre as paredes arteriolares provoca, inicialmente, um ato nervoso reflexo de contração, levando a isquemia transitória, e, em seguida, uma parada da estimulação simpática nas arteríolas, fazendo com que estas se dilatem. Ocorre uma hiperemia arteriolar sem, porém, inundação dos capilares, uma vez que os esfíncteres meta-arteriolares permanecem contraídos.
Liberadas as substâncias farmacológicas, os esfíncteres meta-arteriolares relaxam, o que resulta na inundação dos capilares e das vênulas, antes inativos na circulação. O aumento do fluxo sanguíneo nessa área, a chamada hiperemia venosa, provoca um aumento da pressão hidrostática do vaso. Além disso, a ação dos mediadores químicos e a própria turgidez do vaso, decorrente dessa alteração hemodinâmica, provocam o aumento da permeabilidade vascular. Esses últimos acontecimentos contribuem para que se desencadeie a fase exsudativa e o processo de edema inflamatório. Essa fisiologia explica a tríplice resposta de Lewis.
Vale dizer que essas alterações de calibre e fluxo sangüíneo ocorrem na região adjacente ao local agredido. Este, devido à agressão, tem seus capilares colabados, por vezes destruídos ou exibindo trombose, estando, pois inativos. A velocidade do sangue está bem diminuída na zona central do local agredido, bem como o sangue está mais viscoso em decorrência da agressão. Portanto, os fenômenos vasculares ocorrem mais intensamente na microcirculação adjacente ao local agredido.

FENÔMENOS EXSUDATIVOS
Os fenômenos da exsudação referem-se à migração, para o foco inflamatório, de líquidos e células, provenham eles de vasos ou dos tecidos vizinhos.
Distinguem-se dois tipos de exsudação nessa fase: a exsudação plasmática, composta essencialmente por líquidos, e a exsudação celular.
EXSUDAÇÃO PLASMÁTICA

"Saída de plasma para fora da luz vascular, com quantidades diversas de água, eletrólitos e proteínas".
A saída do líquido plasmático ocorre principalmente nas vênulas, sendo pouco observada nos capilares e arteríolas. Isso é devido à estrutura histológica das vênulas, que apresentam menor aderência intercelular na sua parede em relação às arteríolas, fato esse que facilita o aumento da permeabilidade venular.
O aumento da permeabilidade vascular pode ser originado de mecanismos diretos, em que o próprio agente agressor atua sobre a parede vascular, ou indiretos, em que há ação de mediadores químicos. Nesse caso, o aumento da permeabilidade pode ser devido ao surgimento de fendas na parede, isto é, surgem poros entre as células endoteliais. Esses poros ainda constituem foco de estudos, mas algumas hipóteses já foram aventadas: os endoteliócitos se contraem e se separam; os endoteliócitos somente se contraem, mas suas junções ainda se mantêm, havendo aumento do espaço entre essas células sem separação delas.
A exsudação plasmática é a responsável pela formação do edema inflamatório. O edema inflamatório segue a definição dada aos edemas em geral (acúmulo de líquido no tecido intercelular (intersticial), nos espaços ou nas cavidades do corpo). Difere destes por ser composto por macromoléculas como albuminas, globulinas, fibrinogênio etc., constituindo o exsudato. A passagem deste da luz para o interstício segue a mesma etiopatogênia dos demais edemas. O aumento da permeabilidade vascular, fato não observado nos demais fenômenos de saída de plasma para fora do vaso, é peculiar aos edemas inflamatórios.
Podem ser imediatos e transitórios, observados 15-30 minutos após a agressão e regredindo após 3 horas, sendo oriundos das vênulas (ex.: reação de hipersensibilidade tipo I); imediatos e prolongados, aparecendo imediatamente após a agressão e regredindo depois 8 horas (ex.: queimaduras graves), havendo agressão direta do endotélio; e tardio e prolongado, surgindo 2-4 horas após o aumento da permeabilidade inicial e tendendo a aumentar e estabilizar após 6 horas do seu início (ex.: queimadura por exposição ao sol).
EXSUDAÇÃO CELULAR
"Passagem de células pela parede vascular em direção ao interstício, ao local atuante do agente inflamatório."
Os movimentos migratórios celulares são devidos, principalmente, à abertura de fendas na parede vascular - o aumento da permeabilidade, como foi visto -, aliada à liberação de mediadores químicos com ação de quimiotaxia, citados na fase irritativa. Colabora com esses fatores a diminuição da velocidade sanguínea - decorrente das modificações hemodinâmicas apresentadas na fase vascular - e, principalmente, a adesividade das células do tecido vascular (como hemácias e leucócitos) aos endoteliócitos. A marginação dessas células e seus movimentos de diapedese em direção às fendas previamente formadas é que caracterizam uma exsudação celular, ou seja, os fenômenos celulares.
FENÔMENOS CELULARES
Os fenômenos celulares da inflamação envolvem o acionamento das capacidades celulares de movimentação, de adesão e de englobamento de partículas. O principal fenômeno é a saída de leucócitos da luz vascular e sua migração para o local agredido. Esse fenômeno segue algumas fases (Guidugli-Neto, 1997):
1) Pavimentação: os leucócitos posicionam-se adjacentes aos endoteliócitos. Para tal, é necessário que ocorra a marginação leucocitária, ou seja, os leucócitos saem da porção central do fluxo sangüíneo (local onde são comumente encontrados) e vão para a periferia do fluxo. Isso é possível, graças à diminuição da velocidade do fluxo (estase sangüínea), decorrente dos fenômenos vasculares.
2) Migração: os leucócitos migram pelas fendas entre os endoteliócitos, graças a movimentos amebóides que realizam (diapedese). Primeiramente, a célula emite um pseudópodo (estrutura semelhante a pé) e, depois, o corpo celular. Vale dizer que a célula escolhe o local por onde passa, e essa via acaba sendo preferencial para outras células. Esse mecanismo de escolha ainda não é conhecido.
Juntamente com o leucócito, podem passar passivamente eritrócitos. Denomina-se de leucodiapedese os movimentos diapedéticos dos leucócitos; dos eritrócitos, são denominados de eritrodiapedese.
A quimiotaxia é um fator preponderante na exsudação celular. A célula possui, em sua membrana plasmática, receptores para algumas substâncias. Algumas destas podem entrar em contato com esse receptor; parece existir um mecanismo, baseado na mudança conformacional do receptor, que faz com que a célula "perceba" a existência de maior quantidade dessa substância em locais específicos. Percebendo essa maior quantidade, a célula migra para o local. A descrição desse mecanismo ainda é especulativa. As substâncias quimiotáticas já foram descritas na fase irritativa da inflamação.
A variação qualitativa e quantitativa dos diferentes elementos celulares presentes no foco inflamatório promove diferenciações nesse local, que podem caracterizar, entre outras classificações, uma inflamação aguda ou crônica. Entre os processos agudos e crônicos, distinguem-se, basicamente, os seguintes tipos celulares:
1) Inflamação aguda:
Neutrófilos: granulócitos típicos de fenômenos agudos da inflamação, presentes em maior quantidade nesta fase devido ao seu alto potencial de diapedese e rápida velocidade de migração. Têm ação fagocítica e, se mortos, podem provocar necrose tecidual devido à liberação de suas enzimas lisossômicas para o interstício.
Eosinófilos: encontrados nas inflamações subagudas ou relativas a fenômenos alérgicos e em alguns processos neoplásicos. Também possuem capacidade de fagocitose, mas menor que os neutrófilos.
2) Inflamação crônica:
Basófilos e mastócitos: granulócitos que aumentam de número em processos crônicos. Os basófilos contêm grânulos de heparina e histamina; os mastócitos, de histamina.
Macrófagos: originados dos monócitos, essas células mononucleares são os "fagócitos profissionais", tendo ação sobre ampla variedade de antígenos. Observados mais comumente em estágios de cronicidade e granulomas.
Linfócitos e plasmócitos: migram mais lentamente que os neutrófilos para o foco inflamatório, tendo ação coadjuvante nas atividades macrofágicas. Reconhecem antígenos e desenvolvem respostas para eliminá-los, principalmente em quadros inflamatórios crônicos e granulomatosos.
Segundo Guidugli-Neto (1997), é importante lembrar que a noção de que os polimorfonucleares são típicos de inflamações agudas e de que os mononucleares são característicos de inflamações crônicas é, muitas vezes, acadêmica. Em algumas situações, inflamações crônicas podem ter predominância de neutrófilos (por exemplo, osteomielites supurativas) e inflamações agudas, de mononucleares (por exemplo, infecções virais).
RESPONDER QUESTIONÁRIO III pg 65
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ALTER
AÇÕES CIRCULATÓRIAS

As alterações circulatórias estão relacionadas com distúrbios que acometem a irrigação sanguínea e o equilíbrio hídrico. As alterações circulatórias muitas vezes são causas de morte, daí sua extrema importância na clínica médica.

Segundo Guidugli Neto (1997), os fluídos do corpo transitam por três compartimentos:
· Intracelular
· Intersticial
· Intravascular

Esses três compartimentos devem atuar em perfeita homeostase; quando a rompimento desse equilíbrio, surgem alterações que podem ser agrupadas dentro dos distúrbios circulatórios. Estes distúrbios circulatórios compreendem:

· Alterações hídricas intersticiais – edema;
· Alterações no volume sanguíneo – hiperemia, hemorragia e choque;
· Alterações por obstrução intravascular – embolia, trombose, isquemia e infarto.

EDEMA

Podemos definir edema como sendo o acúmulo de líquido no tecido intercelular (intersticial), nos espaços ou nas cavidades do corpo. Edema é resultado do aumento da quantidade de líquido no meio extracelular, sendo externo aos meios intravascular.

Normalmente, 50% da quantidade de líquido corpóreo se localizam na célula, 40% estão no interstício, 5%, nos vasos sanguíneos e os outros 5% compõem os ossos. Esta distribuição dos líquidos intersticial e vascular é mantida à custa da existência de uma hidrodinâmica entre esses dois meios, que mantém uma troca equilibrada desses líquidos. O movimento do líquido do sistema intravascular para o interstício, ocorre em grande parte devido a ação da pressão hidrostáticas do sangue. O seu retorno do interstício para o vaso se dá, principalmente, à custa da pressão oncótica do sangue aumentada na porção venosa. Durante essa dinâmica, fica uma certa quantidade de líquido residual no interstício. Esse líquido é drenado pelos vasos linfáticos, retornando depois para o sistema vascular.
O desequilíbrio dos fatores que regem essa hidrodinâmica entre interstício e meio intravascular é que origina o edema, esses fatores compreendem pressão hidrostática sanguínea e intersticial, a pressão oncótica vascular e intersticial e os vasos linfáticos.

1. Pressão hidrostática sanguínea: quando essa pressão aumenta, ocorre saída excessiva de líquido do vaso, situação comum em estados de hipertensão e drenagem venosa defeituosa (por exemplo, em casos de varizes, insuficiência cardíaca, etc.).

2. Pressão hidrostática intersticial: se diminuída essa força, o líquido do interstício não retorna para o meio intravascular, acumulando-se intersticialmente.

3. Pressão oncótica sanguínea: a redução da pressão oncótica provoca o não deslocamento do líquido do meio intersticial para o interior do vaso. Essa variação da pressão oncótica é determinada pela diminuição da quantidade de proteínas plasmáticas presentes no sangue.

4. Pressão oncótica intersticial: um aumento na quantidade de proteínas no interstício provoca o aumento de sua pressão oncótica, o que favorece a retenção de líquido neste local. Além disso, o aumento dessa força contribui para dificultar a drenagem linfática na região.

5. Vasos linfáticos: se a função dos vasos linfáticos em drenar os líquidos, estiver comprometida, pode surgir o edema. Esse quadro é observado, por exemplo, em casos de obstrução das vias linfáticas como ocorre, por exemplo, na elefantíase.

6. Acúmulo de sódio no interstício; ocorre quando há ingestão de sódio maior de que sua excreção pelos rins; o sódio em altas concentrações aumenta a pressão osmótica do interstício, provocando maior saída de água do vaso.

O edema pode aparecer sob duas formas: localizado e sistêmico:

1. Localizado: o exemplo clássico de edema localizado é o edema inflamatório, cuja constituição, como já vimos, é rica em proteínas e substâncias que constituem o exsudato inflamatório.

2. Sistêmico: diferencia-se do edema localizado por possuir uma constituição pobre em proteínas. O líquido que forma o edema sistêmico é denominado transudato, estando presente, por exemplo, no edema pulmonar. O significado clínico do edema sistêmico reside no fato de que a presença desses líquidos pode originar infecções, trazendo complicações maiores e fatais para o local afetado. Assim os edemas pulmonares, podem originar pneumonias e insuficiência respiratória e o edema cerebral, por sua vez, pode ser fatal.



HIPEREMIA OU CONGESTÃO
“Aumento do volume de sangue em uma região por intensificação do aporte sangüíneo ou diminuição do escoamento venoso”.

Ao contrário da isquemia, a lesão tecidual de causa hiperêmica é resultado de uma excessiva quantidade de sangue no local, inundando essa região. A intensificação do aporte sanguíneo, citado no conceito, caracteriza a hiperemia do tipo arterial ou ativo. O grande volume de sangue presente nesse caso provoca eritema, pulsação local e calor. A hiperemia é acompanhada de prévia isquemia ou pode estar sob a tríade isquemia-hiperemia-inflamação.

A diminuição do escoamento venoso, também causa citada da hiperemia, caracteriza esta agora como sendo do tipo venoso ou passivo: nesse caso, não há retirada do sangue da zona em questão. A hiperemia venosa pode provocar edema, estase sangüínea, hiperpigmentação, proliferação fibrosa etc.
As causas de cada tipo de hiperemia estão citadas abaixo:
1) Hiperemia arterial: órgãos em atividade, inflamação, queimaduras, radiação, venenos.
2) Hiperemia venosa: interferência na drenagem venosa devido a doenças primárias ou secundárias a região.
TROMBOSE
“Coagulação intravascular do sangue em um indivíduo vivo”.
A trombose consiste em uma alteração circulatória oriunda de uma reação hipermétrica (heterométrica) do sistema de coagulação ou de hemostasia.

Diante de uma lesão vascular, esse sistema de coagulação entra em ação a fim de evitar o extravasamento sanguíneo. O aumento na intensidade de ação desse sistema, aliado à diminuição da velocidade sanguínea, induz a formação de um tampão sólido — o trombo — anormal que, ao mesmo tempo em que exerce sua função selante, impede também o bom funcionamento dos vasos e da circulação sanguínea, tal a sua grande proporção. Daí o nome trombose, indicativo de uma formação anormal do trombo no vaso.
A origem da trombose é multifatorial, com vários eventos relacionados às transformações circulatórias decorrentes de lesões vasculares agindo concomitantemente. Assim, modificações anatômicas da parede vascular podem originar um fluxo sanguíneo turbulento (como, por exemplo, as placas de ateroma na aterosclerose), levando à periferização de plaquetas, que imediatamente aderem à parede e iniciam a formação do trombo; alterações da composição do sangue, como a redução da atividade fibrinolítica e aumento da viscosidade do sangue, facilitam a formação e a manutenção da arquitetura do trombo; e,finalmente, a redução da velocidade sanguínea faz com que as plaquetas, circulantes no meio do fluxo sanguíneo, passem para a periferia, o que facilita seu contato com a parede e, conseqüentemente, sua adesão à ela. Todos esses fatores - que também estão presentes nos mecanismos normais de coagulação -, associados e com intensidades alteradas, contribuem para a gênese da trombose.
Os trombos podem ser dos seguintes tipos (Guidugli-Neto, 1997):
1. Quanto à composição: brancos (predomínio de plaquetas), vermelhos (predomínio de hemácias), mistos ou hialinos (mais comuns em capilares ou vênulas).
2. Quanto à localização no vaso: parietais ou murais (na parede vascular ou de cavidades) ou oclusivos (na luz do vaso).
3. Quanto ao local: arteriais (principalmente na aorta, nos membros inferiores e nas artérias viscerais, cerebrais e coronarianas), venosos (oriundos da estase venosa), de capilares e arteríolas e cardíacos.
A trombose pode evoluir para a sua total lise (devido à ação do sistema fibrinolítico da hemostasia), sofrer deslocamento ou embolização, calcificar-se (calcificação distrófica) ou organizar-se (é invadido por capilares e fibroblastos, sofrendo recanalização). Além da embolia, o trombo pode obstruir as vias sangüíneas, levando à morte celular da região irrigada (isquemia e infarto).
EMBOLIA
“Presença de substância estranha ao sangue caminhando na circulação, levando à oclusão parcial ou completa da luz do vaso em algum ponto do sistema circulatório”.
A substância estranha referida no conceito é denominada de êmbolo. Segundo Cotran et al. (1996), 99% dos êmbolos são originários de trombos. Podem ser de constituição sólida, líquida ou gasosa:

1. Sólida: compreende trombos (nesse caso, o processo é chamado de tromboembolia), segmentos de placa de ateroma, parasitas e bactérias, corpos estranhos (por exemplo, projétil de arma de fogo), restos de tecidos (por exemplo, de placenta durante a gestação), células neoplásicas etc. O êmbolo se distingue do trombo por não estar aderido à parede do vaso e por não assumir a anatomia da luz vascular, como acontece com o trombo. Os êmbolos sólidos podem levar a morte súbita, infarto ou hemorragia.
2. Líquidas: os êmbolos líquidos estão principalmente sob a forma de gorduras; pacientes com extensas queimaduras corpóreas ou fraturas generalizadas, principalmente dos ossos longos, podem promover a circulação de glóbulos gordurosos, os quais se deslocam da medula óssea e do tecido adiposo. A embolia gordurosa pode causar morte rápida, devido à sua alta capacidade de penetração em arteríolas e capilares, obstruindo a microcirculação. Um outro tipo de embolia líquida, agora bem mais raro, é a infusão de líquido amniótico na circulação durante ou pós-parto.
3. Gasosa: o êmbolo gasoso pode ser de origem venosa (por exemplo, entrada de ar nas veias durante ato cirúrgico ou exames angiográficos) ou arterial (por exemplo, durante o parto ou aborto, em que há grande contração do útero e rompimento de vasos).
A embolia pode originar isquemias — devido à obstrução dos vasos — ou infartos, conseqüência da isquemia.
O "mal dos caixões" é uma forma especial de embolia gasosa mais observada em mergulhadores e trabalhadores cujas atividades envolvem a permanência em águas profundas em caixões ou túneis. Quando se respira sob altas pressões, como acontece no fundo do mar, há maior quantidade de gás dissolvida no sangue, nos líquidos teciduais e no tecido gorduroso. Se o indivíduo sofre uma descompressão súbita, esse gás se solta da dissolução sob a forma de grandes bolhas. O oxigênio é solúvel, mas o nitrogênio e o hélio não; estes são gases comumente utilizados em mergulhos e tendem a formar êmbolos gasosos. As lesões provocadas são mais significativas no cérebro, local em que o nitrogênio tende a se acumular devido a sua alta capacidade de solubilidade em gorduras.


ISQUEMIA
“Diminuição do afluxo de sangue em uma região”.
O termo "isquemia" costuma ser empregado para as situações em que ocorre ausência total de afluxo sangüíneo em um local, devido a inúmeros fatores, a seguir descritos. Para as diminuições parciais do aporte sangüíneo, costuma-se empregar o termo "oligoemia". Usa-se "anemia" nos casos em que há diminuição total do volume sanguíneo, sendo utilizada também como sinônima da isquemia e da oligoemia; nesse caso, é mais adequado utilizar "anemia local".

As causas da isquemia podem ser angiomecânicas extrínsecas (ação mecânica sobre o sistema sangüíneo ocasionada por agente externo ao organismo, por exemplo, compressão arteriolar por próteses totais sobre a mucosa) ou intrínsecas (ocasionadas por agentes intrínsecos ao organismo; por exemplo, doenças vasculares, como trombose, embolia e aterosclerose); angioespáticas (contrações vasculares reflexas) e distúrbios na distribuição sangüínea. Existem vários graus de isquemia, cada um deles trazendo diferentes conseqüências para o tecido. Estas podem variar de simples adaptações teciduais ao novo nível de oxigênio (comum nas isquemias relativas e transitórias), passando por alterações funcionais manifestas por degenerações (como a esteatose), até quadros de morte celular. Os fatores ligados a essa diversidade de quadros isquêmicos envolvem o grau de afluência sangüínea comprometida, a existência ou não de uma circulação colateral existente e a demanda metabólica dos tecidos atingidos pela carência de irrigação sanguínea.
Segundo Guidugli-Neto (1997), nas isquemia relativas prolongadas, os órgão ficam com volume menor (atrofia), e podem evoluir para a necrose. Já nas isquemias absolutas, a necrose tecidual pode ser extensa, resultando em infarto. Casos, por exemplo, de isquemia leve e gradual nas coronárias não necessariamente chegam a quadros de infarto, devido ao desenvolvimento de uma circulação colateral intercoronária.




INFARTO
“Morte tecidual devido à falência vascular”.
A diminuição da quantidade de sangue ou a sua não chegada aos tecidos pode provocar a morte destes. Nesse caso, o processo de irreversibilidade da vitalidade tecidual é denominado de infarto.
Os infartos podem ser do tipo branco ou isquêmico, no qual ocorrem tumefação e palidez local. O infarto isquêmico é comum no tecido cardíaco (por exemplo, infarto do miocárdio). Há ainda o infarto vermelho ou hemorrágico, caracterizado pela permanência do sangue do local no momento da obstrução arterial. Pode ainda ocorrer oclusão de veias, ocasionando também a permanência de sangue no local. Esse tipo é comum em tecidos frouxos (por exemplo, o pulmão), onde o extravasamento sangüíneo é facilitado.
Os fatores condicionantes ao infarto compreendem aqueles que predispõem ao estabelecimento da isquemia. Assim, o estado geral do sistema cardiovascular, a anatomia da rede vascular (circulação dupla ou paralela, obstrução parcial e/ou venosa da circulação única, circulação colateral) e a vulnerabilidade do tecido a isquemia (por exemplo, o tecido nervoso e o cardíaco) são alguns exemplos desses fatores.

HEMORRAGIA
“Saída do sangue para fora da luz dos vasos”.
As hemorragias podem ser classificadas, segundo Guidugli-Neto (1997), quanto à sua origem (capilar, venosa, arterial ou cardíaca), visibilidade (externa - quando o sangue é visível clinicamente; interna - não é visível) e quanto ao volume (petéquias - pequenas manchas; equimoses - áreas mais extensas; hematoma - coleção de sangue, em geral coagulado, localizada em cavidade neoformada; púrpura - empregado para hemorragias espontâneas; apoplexia - efusão intensa em um órgão, em geral, o sistema nervoso central). Conforme o local, as hemorragias recebem terminologia específica (por exemplo, epistaxe - sangramento do nariz; hemartrose - sangue em uma articulação).
A patogenia da hemorragia se relaciona principalmente com a parede vascular. A passagem dos elementos sangüíneos através dessa parede (mecanismo denominado de diapedese), devido a descontinuidade desta (denominada rexis, que significa "rotura") ou sua erosão (diabrose, que significa "dia = através; brosis = perfuração"), constitui a etiopatogenia do processo hemorrágico. O aumento da permeabilidade vascular sem lesão prévia também pode provocar a saída de hemáceas para fora do sistema vascular.
As causas da hemorragia incluem traumas (mecânicos ou físicos), aumento da pressão intravascular, doenças na parede vascular (por exemplo, aneurismas, ou seja, adelgaçamento da parede vascular, e invasão neoplásica) e diáteses hemorrágicas (tendência à hemorragia em múltiplos tecidos) devido a alterações no mecanismo de coagulação ou por defeito da parede vascular.
Se a perda de sangue for local e não envolver órgãos vitais, as hemorragias não possuem maiores significados clínicos; a massa sangüínea é reabsorvida sem grandes complicações. Dependendo da extensão, podem causar pigmentação endógena ou até mesmo fibrose cicatricial. Se, por outro lado, a hemorragia for sistêmica, pode originar o choque hemorrágico. Este é causado por uma diminuição do aporte sanguíneo periférico devido a perda excessiva de sangue. Perdas que envolvam mais que um terço do volume sangüíneo corpóreo (cerca de 1,5 a 2 litros) podem levar à morte. É importante acrescentar que, dependendo da localização, pequenas hemorragias podem gerar efeitos clínicos mais graves, como é o caso das hemorragias cerebrais.

CHOQUE
“Deficiência aguda da corrente sanguínea no leito vascular periférico”.
O choque é provocado por uma diminuição da perfusão de nutrientes para a célula devido à deficiência do aporte sanguíneo. Isso pode ser causado por uma queda do volume sanguíneo circulante (é o que ocorre no choque hemorrágico), por uma propulsão cardiopulmonar inadequada ou por uma grande vasodilatação periférica (de capilares e veias).
Sem uma circulação sangüínea ideal, os tecidos sofrem hipóxia e carência nutricional, o que leva a alterações reversíveis. A mudança de um sistema de respiração aeróbico para um anaeróbico, em decorrência da falta de oxigênio, induz ao acúmulo de ácido lático no local, provocando a instauração de lesões irreversíveis e a morte celular.
Os tipos de choque incluem o neurogênico, o cardiogênico, o traumático, o hemorrágico, por queimaduras, cirúrgico etc. A evolução clínica desses tipos depende do grau de recuperação do equilíbrio hemodinâmico conseguido pelos tecidos atingidos. No caso do choque hemorrágico, por exemplo, esse equilíbrio pode ser restituído por intermédio de uma transfusão sanguínea imediata ou pela introdução de outros líquidos.
Os tipos de choque mais comuns são:
a) Choque cardiogênico: causado por uma lesão no miocárdio (devido a infarto, por exemplo), por arritmias ou por obstrução do fluxo de saída sangüínea (por exemplo, embolia pulmonar); esses fatores levam à falência da bomba miocárdica, o que impede o bombeamento do sangue, levando ao choque.
b) Choque hipovolêmico ou hemorrágico: as grandes perdas sangüíneas como conseqüências de hemorragias levam à diminuição do volume sangüíneo. Grandes queimaduras ou outros tipos de traumatismos também levam à diminuição do volume sangüíneo (nesse caso, o choque é denominado de “traumático”.).
c) Choque séptico: é decorrente da disseminação de microorganismos no sangue oriundos de infecções locais graves. Esses microorganismos, principalmente bacilos Gram-negativos, liberam endotoxinas, as quais atuam nos leucócitos e células endoteliais. Essas endotoxinas promovem lesões nessas células ou alteram as funções destas. Dentre essas alterações, estão a maior capacidade de adesão dos leucócitos aos endoteliócitos e a maior capacidade de desencadear mecanismos de coagulação. Essas alterações culminam com a formação de trombos capilares e a coagulação intravascular exacerbada, o que altera a circulação sangüínea.
d) Choque anafilático: decorrente de reações por hipersensibilidade do tipo I (anticorpos), promovendo grande permeabilidade vascular e saída de líquido para fora do vaso, diminuindo sua volemia.
e) Choque neurogênico: acidentes com anestésicos ou lesões traumáticas na medula espinal podem desencadear vasodilatações periféricas generalizadas, levando ao choque.


Choque Anafilático
Choque anafilático é oriundo da hipersensibilidade do tipo I, ou seja, da reação imunológica a antígenos mediada por anticorpos em indivíduos previamente sensibilizados. A reação é rápida, ocorrendo minutos após o contato com o antígeno. O termo "choque anafilático" é empregado no meio médico para indicar a manifestação culminante dessa reação de hipersensibilidade (anafilaxia). A patogenia para essa reação é explicada do seguinte modo: anticorpos do tipo IgE já produzidos contra o antígeno são estimulados por ele a se prender na membrana plasmática dos mastócitos, o que provoca a liberação de mediadores químicos produzidos por essa célula (histamina, heparina e fator quimiotático para neutrófilos). Esses mediadores atuam diretamente na parede vascular, promovendo um aumento da permeabilidade e intensa exsudação plasmática, o que leva a edemas generalizados (pálpebras, lábios, pavilhão auricular, conduto auditivo externo). Instaura-se, assim, um quadro de hipotensão grave, com falência da circulação periférica. Manifestam-se também dificuldade respiratória, devido ao espasmo da musculatura bronquial e do edema que se desenvolve na mucosa brônquica e na glote. Prurido cutâneo generalizado oriundo dos altos graus de liberação de histamina também está presente.
As causas do desenvolvimento desse quadro de choque incluem injeção de drogas ou de soro (soroterapia), picadas de insetos e ingestão de alimentos (como camarão, peixes, certas frutas etc.).

DISTÚRBIOS DO CRESCIMENTO E DA
DIFERENCIAÇÃO CELULAR

Os capítulos sobre as degenerações e infiltrações, bem como das alterações circulatórias e pigmentárias referem-se a modificações morfológicas e funcionais assumidas pelos tecidos já formados e estruturados quando sujeitos às agressões. Esses capítulos envolvem os mecanismos gerais relacionados com a perda da morfostase e da homeostase. Já nas inflamações e reparações são abordadas as reações dos tecidos diante dessas alterações. Agora, serão descritas as alterações de forma e de função originadas durante as fases de crescimento e de estruturação dos tecidos, fases estas cruciais no processo de formação do ser.
Seguindo ainda as alterações de crescimento, serão comentadas as anormalidades de multiplicação celular em indivíduos já desenvolvidos. Fazem parte desse grupo as Neoplasias.
Quando se aborda sobre o desenvolvimento de um indivíduo, imediatamente deve-se pensar nos processos de crescimento e de diferenciação, elementos essenciais para a dinâmica de formação do ser. Através da mudança quantitativa (o crescimento) e qualitativa (diferenciação) das células, obtêm-se as variantes de forma e de função teciduais. Os inúmeros tipos de tecido assim formados, sob um regime de morfostase e homeostase constante, promovem, por assim dizer, a organização e caracterização do indivíduo.
Crescimento e diferenciação celular são processos essenciais para os seres vivos. O crescimento celular, aqui entendido como multiplicação celular, é responsável pela formação do conjunto de células que compõem o indivíduo. Ele é indispensável durante o desenvolvimento normal dos organismos e necessário para repor as células que morrem pelo processo natural de envelhecimento que ocorre durante toda a vida. A diferenciação por sua vez, refere-se a especialização morfológica e funcional das células que permite o desenvolvimento do organismo como um todo integrado. Como esses dois processos – crescimento e diferenciação- recebem influência de grande número de agentes internos e externos às células, não é surpresa que, com certa freqüência, surjam transtornos nos mecanismos que os controlam.

Na prática dos profissionais da saúde, os distúrbios do crescimento e diferenciação assumem grande importância, de um lado por sua elevada freqüência, de outro pelas graves repercussões que podem provocar. Antes de discutir cada processo, porém, é interessante considerar alguns aspectos do comportamento das células normais.

Do ponto de vista replicativo, as células podem ser agrupadas em três grandes categorias:
· Lábeis
· Estáveis
· Perenes

As células lábeis são aquelas que estão em constante renovação e se dividem continuamente, durante toda a vida do indivíduo, para substituir as células destruídas fisiologicamente. Seus principais representantes são as células dos epitélios de revestimento, como as da epiderme, e as células hematopoéticas, que se dividem regularmente para manter a população de células sanguíneas dentro dos níveis fisiológicos.

As células estáveis têm baixo índice mitótico, mas são capazes de proliferar quando estimuladas. Pertencem à essa categoria as células parenquimatosas dos órgãos glandulares (pâncreas, fígado, etc.), células mesenquimais e células endoteliais.

Células Perenes, como classicamente conhecidas, são as que atingem o estágio de diferenciação terminal e não se dividem mais após o nascimento, pois perderam a capacidade replicativa. O exemplo mais notório sempre foi o dos neurônios, fato este que recentemente foi colocado em dúvida, pois cientistas conseguiram realizar a replicação destas células.

CONTROLE DO CICLO CELULAR

As células regulam o seu ciclo celular por mecanismos intrínsecos muito conservados na natureza, razão pela qual estes mecanismos são semelhantes nas diversas células de diferentes espécies. A regulação da multiplicação celular é feita por sinais externos conhecidos como fatores de crescimento (FC) e fatores de Inibição (FI).

O ciclo celular consiste em uma série complexa de eventos altamente regulados que culminam com a duplicação do DNA e divisão da célula, fatores estes já estudados em biologia celular e que não caberá uma revisão nesta matéria.

Importante sabermos que as células mortas fisiologicamente ou não irão induzir o nosso organismo a estimular locais determinados através de fatores de crescimento e estes irão entrar em intensa mitose para suprir as células que foram mortas. Quando se restabelece a normalidade (homeostasia) entram em ação os fatores inibidores que irão conter o processo mitótico.

REGULAÇÃO DO CRESCIMENTO CELULAR

Nos organismos multicelulares e depois de completada a diferenciação, os órgãos e tecidos mantêm constante o seu tamanho conservando o número de células. A multiplicação celular é regulada por mecanismos complexos e integrados, processo no qual participam fatores internos e externos às células.

A população celular global de um indivíduo é mantida através da ação de elementos que controlam tanto a taxa de multiplicação como a de sobrevivência das células; em outras palavras, é o resultado do balanceamento entre o número de células originadas por mitoses (células produzidas) e o de perdas células (destruição celular), estas geralmente por apoptose. Estes dois fenômenos dependem de sinais específicos que determinam quando as células devem se dividir ou quando devem morrer a fim de manter a população em níveis homeostáticos (equilibrados).

O crescimento celular resulta da ação coordenada de numerosos agentes estimuladores e inibidores da divisão celular. Entre eles estão:
· Produtos liberados pela própria célula destruída;
· Produtos liberados por células vizinhas;
· Produtos liberados por células distantes;
· Componentes do microambiente extracelular (interstício).

O balanceamento preciso destes produtos em diferentes momentos funcionais é que permite a manutenção da população celular normal.

Numerosas substâncias têm a propriedade de controlar a taxa de divisão celular. As mais importantes são os chamados fatores de crescimento (FC) que são produzidos por diferentes células e têm a capacidade de estimular ou de inibir a multiplicação celular. Alguns FC agem em células específicas; outros atuam sobre vários tipos celulares. Os FC têm importante papel no crescimento celular durante o período embrionário e na manutenção da população celular normal nos organismos adultos. Para agirem nas células, os FC se ligam a receptores específicos localizados na membrana plasmática.